• O Prazer Nos Cheiros do Outro
  • O Prazer Nos Cheiros do Outro


    Se existe um momento na vida em que se perde totalmente o controle e volta-se aos seus instintos mais naturais, esse momento é o sexo. Porque sexo com controle, vira mecânico, perde aquela fluidez e sintonia de corpos, que se unem em nome do prazer e que desperta uma sensação jamais produzida por qualquer outro tipo de prática. Mas tem gente que quer que o sexo seja algo limpinho. Coisa mais comum recebermos emails de pessoas que dizem ter nojo de algumas práticas, pudor de outras, ou um certo asco por algumas partes ou fluídos do corpo do outro.

    Mundo Bolha

    Hoje em dia, todo mundo tem uma certa paranóia com germes e bactérias. O Fantástico volta e meia traz matérias dizendo sobre como não podemos usar a mesma bucha para lavar louça por mais de uma semana, ou que descarga não pode ser dada com a tampa da privada aberta para não contaminar todo o ambiente com coliformes fecais. Tudo isso pode fazer um certo sentido, mas atire a primeira pedra quem nunca pegou aquela última bolacha do pacote que caiu no chão, deu uma leve assoprada e mandou pra dentro. Desconheço alguém que tenha morrido por isso.

    Tem também aquelas mães que insistem em colocar os filhos em uma bolha anti-bactéria. Se a chupeta cai no chão, correm desesperadamente para lavar, como se a criança não fosse sair lambendo outras milhares de coisas espalhadas pelo chão durante o dia. Ou aquelas que encapotam tanto o menino em dia de frio, o transformando em um projeto de pinguim, afirmando que ele não pode pegar vento porque se não vai ficar resfriado – ignorando o fato que o resfriado se pega através de um vírus, e não através do pobre do vento. Conclusão – o corpo não desenvolve as defesas necessárias e o sujeito cresce sem força alguma para se livrar dos vilões que vai encontrar pela vida.

    Acredito que essas paranóias e nojinhos também se transferem para o sexo. Tem gente que quer transformar o sexo em algo muito metódico, organizado, limpo. Sempre que penso nisso, lembro das histórias de garotas de programa do famoso Red Light em Amsterdã, que antes de transar, forram seus clientes com uma enorme folha de papel, deixando só o membro do menino para fora. Nunca consegui entender qual o prazer de se pagar por sexo e de ser forrado por uma folha de papel como se fosse contaminar o outro apenas com o contato da pele. Não estou aqui para julgar a postura das prostitutas do Red Light, porque só elas sabem os tipos que aparecem por lá – ou quantos tipos aparecem por lá. Mas, ainda não consigo entender as pessoas comuns que ficam com nojinhos na hora de transar.

    Alguém que tem nojo dos fluídos de uma pessoa que ela própria escolheu para transar, não pode gostar muito de sexo.

    Sexo Inodoro

    É triste perceber que nós, humanos, perdemos quase completamente a capacidade de reconhecer o cheiro do outro. Desprezamos o feromônio, que nada mais é do que uma substância química que, quando captada por seres de uma mesma espécie, permite o reconhecimento sexual entre os indivíduos. Ou seja, todos os outros animais se reconhecem pelo cheiro. A gente não mais. Mascaramos o suor, nos lotamos de perfume, tiramos todos os pelos, nos limpamos com lencinhos que tiram o cheiro natural na pele. Estamos, cada dia mais, desnaturalizando nosso corpo, em uma obsessão por eliminar nossos cheiros, rejeitando a nossa natureza. Na falta de odores naturais, tem gente até ganhando dinheiro reproduzindo o cheiro da perseguida. E histórias sobre os que ainda usam o faro como forma de reconhecimento, já foram parar no cinema, de tão raras que são:

    Sexo bom de verdade, é quando sua mania de limpeza desaparece. Quando o cheiro da pele do outro, lotada de feromônio, vira o seu combustível. Quando todos os cheiros do outro se tornam bons. É claro que um banho antes do sexo depois de um dia inteiro de trabalho é gostoso, mas não podemos transferir nossas paranóias anti-bactericidas para o sexo. Vai chegar um dia que o outro não vai ter podido tomar banho, e você vai ter que lidar novamente com os cheiros – e isso não pode ser brochante. O cheiro da boca de manhã. O gosto da pele salgada no fim do dia. Cheiros bons, normais, comuns. Talvez a intimidade mesmo seja quando você chega nos cheiros mais íntimos, mais secretos; cheiros os quais ninguém mais sentiria, se não enfiasse o nariz lá dentro, a língua lá dentro, a boca lá dentro.

    E se tudo aquilo que você acha nojento for exatamente a famosa intimidade que procuramos insistentemente?

    Para uma experiência completa, precisa chegar  um momento em que a palavra nojo já não tenha mais sentido. Os animais, que não canso de citar por serem indiretamente um espelho do que somos como seres vivos, cheiram uns aos outros o tempo todo. No rabo. Por que então esperamos uma ordem no sexo, quando é justamente o caos que transforma o sexo em algo tão bom? Porque, de repente, não só mais aturamos o cheio do outro, como passamos a gostar. Algo no nosso íntimo reconhece o cheiro de um outro semelhante, e de repente passamos a gostar até dos cheiros mais “impróprios” sem que isso seja uma perversão ou algo sujo.

    Porque intimidade nada mais é que conhecer fundo, muito fundo. Sair da superfície, sair da obviedade do prazer no cheiro do perfume importado. Porque cheiro de perfume, todo mundo gosta. Mas o quanto ele é capaz de conectar? Caio F. já disse sabiamente uma vez: “O amor só acontece quando uma pessoa aceita que também é bicho. Se o amor for coragem de ser bicho? Se o amor for a coragem da própria merda? E depois, um instante mais tarde, isso sequer ser coragem nenhuma, porque deixou de ter importância. O que vale é ter conhecido o corpo de outra pessoa tão intimamente como você só conhece o seu próprio corpo. Porque então você se ama também.


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