Em uma das conversas afloradas no Twitter, conversávamos sobre mulheres bonitas que namoram caras feios. Até que recebemos uma mention que dizia o seguinte:
“Nem vejo por essa ótica não. Me espanto muito mais com gente legal namorando gente chata.”
Bingo. Realmente é muito mais difícil entender como encontramos tanta gente legal namorando com pessoas insuportáveis; pessoas super tranquilas namorando com seres extremamente ciumentos; pessoas batalhadoras trabalhando com gente que gosta de viver com os pés pra cima. A teoria do “os opostos se atraem” poderia explicar tal fenômeno. Mas acho que as coisas não são tão simples assim. Atração não poderia ser o único motivo real para duas pessoas extremamente diferentes se aguentarem durante longos tempos. Alguma hora, a diferença pega e a somente a atração não é suficiente para segurar.
A única explicação coerente que encontrei para justificar tais comportamentos, é uma que ouvi uma vez em uma entrevista que fizemos com o psicólogo Cláudio Picazio (ver minuto 2:03), onde ele explica que casais muito diferentes continuam juntos por um encaixe de neuroses. Essas relações nem sempre são equilibradas, mas um compensa a neurose do outro e assim eles vão se entendendo.
Cito como exemplo um relacionamento de um casal que conheço. Eles estão juntos há tempos. Ele é mais tranquilo, mais sossegado. Ela é o oposto – preocupada demais com as coisas, sempre pensando na opinião dos outros. Ela quer mandar em tudo o que ele faz. Desde a roupa que ele vai usar no dia até à quantidade de comida que ele come em uma festa. Sempre olho e fico tentando entender como ele, uma pessoa tão tranquila, consegue viver junto de uma pessoa tão neurótica. E vice versa. A explicação mais provável é que ele precise de alguém que o controle boa parte do tempo, que o ponha na linha. Ele provavelmente acha positivo ter uma mulher ao lado que “cuide” dele 100% do tempo. Ela, provavelmente, precisa ter alguém do lado em que possa mandar, porque tem esse desejo latente de querer estar em uma posição de controle. E nada melhor que usar isso com a pessoa com quem ela passa a maior parte do tempo junto.
Esse é só mais um exemplo dentre milhares de outros relacionamentos que se sustentam por um encaixe de neurose. Você provavelmente também conhece várias pessoas que vivem dessa forma. Concordo que isso exista, mas não consigo aceitar que essa seja a forma mais feliz de se relacionar. No caso citado acima, por exemplo, talvez ele fosse muito mais feliz com uma mulher mais tranquila, mais leve, como ele. Ele não teria alguém para botá-lo na linha, mas quem disse que isso é necessário? Talvez ele fosse mais feliz vivendo em sua desordem e malemolência, sem ter que se privar de tantas coisas em nome dela. E talvez ela fosse mais feliz com alguém um pouco mais neurótico também, mais preocupado, mais metódico.
Acredito que algumas pessoas se prendam a relacionamentos impróprios por acharem que está tudo certo viver brigando ou que são obrigados a aceitar diferenças do outros que os incomodam. Elas provavelmente pensam que isso é normal. E é aí que mora o perigo. Nossos relacionamentos não podem ser baseados do que os outros descrevem como normal. Eles têm que ser baseados no nosso conceito de felicidade. Se você não é ciumenta, não tem que aturar que o outro o seja com você. Se você é sociável com as pessoas, não tem que aturar que o outro seja anti-social com seus amigos. Se você corre atrás das coisas, não tem que aturar alguém folgado do seu lado.
O encaixe de neuroses é mais uma prova de que muitos relacionamentos são feitos de metades. Um não consegue segurar a barra de ser quem é sozinho – precisa do outro para completar o quebra-cabeças. E assim, relacionamentos neuróticos surgem a cada dia, resultando em muitos dos casos, em uma frustração latente cedo ou tarde. Minha teoria é que, invés de encaixar neuroses, as pessoas deviam se encaixar de outras formas – num sexo gostoso, numa companhia que acrescenta, numa troca de ideias que evolui. Com as nossas neuroses, precisamos lidar sozinhos, invés de jogar o peso sob os ombros de um pobre coitado. Só assim os amores ficam mais leves – e muito mais gostosos de serem vividos.