Para cada um de nós, a nossa visão de mundo parece ser o consenso geral da realidade da vida. Explico – somos as personagens principais do nosso universo, pois vivemos de acordo com as nossas realidades. Isso faz com que esperemos que o outro seja e pense de forma similar que a gente e que viva conforme os conceitos que acreditamos ser certos. Uma forma fácil de observar essa nossa característica um tanto quanto egoísta, é prestando atenção nos relacionamentos. As pessoas escolhem um outro e querem que esse outro viva conforme a sua regra do jogo. Isso não pode dar certo.
Trote Amoroso
Viver em casal é muito difícil. Temos que abrir mão de certos aspectos da nossa realidade, mas não gostaríamos de fazê-lo. Se relacionar com o outro significa abrir mão do seu ponto de vista egoísta sobre o mundo e admitir que existem outras possibilidades ao viver a vida. O seu universo egocêntrico desmorona – é por isso que amar nos deixa mais humildes. No entanto, há pessoas que têm uma dificuldade imensa de abrir mão do que consideram como verdade absoluta e, como se não bastasse, querem obrigar o outro a concordar com seu universo. É como os veteranos tratam os “bixos” na faculdade – nos primeiros dias, estabelece-se um ritual para que os novatos forçosamente se adequem às regras do sistema. Rodas são formadas por “bichos” que aguardam de boca aberta, as doses de pinga descerem rasgando pela garganta. Quem não beber, é frouxo. Agora, convenhamos – respeitamos aqueles que querem beber, mas qual o sentido em obrigar o outro a beber também? Indiretamente, fazemos isso nos relacionamentos – queremos que o outro beba da nossa pinga, e que ache-a deliciosa.
O nosso ego, cuidadosamente cultivado desde a infância, nos imepede de viver uma parte preciosa dos relacionamentos, que é ter a chance de conhecer profundamente outro universo, que não o nosso. É uma oportunidade única de se aprofundar em outra realidade e de perceber quanto somos pequenos no mundo, já que, para o outro, o universo dele é o padrão na vida. Ou seja, percebemos assim o quanto somos pequenos e descemos do pedestal. Mas muitas vezes, desperdiçamos essa chance. Queremos mudar o outro, queremos controlá-lo, queremos que ele viva conforme as nossas regras do jogo. Assim, automaticamente violamos uma regra essencial dos relacionamentos felizes – o respeito.
O Segredo do Cofre
Aliás, a noção de respeito é muito distorcida da nossa realidade. Frequentemente, nos esquecemos que respeito tem a ver com perceber as diferenças do outro e aceitá-las, não porque estamos fazendo-lhe um favor, mas porque não estamos em posição alguma de poder julgar o que é certo e errado. Erramos muito na vida – diariamente, o tempo todo. É muita prepotência achar que temos o direito de mudar o outro porque acreditamos que a nossa realidade é a certa. Respeitar o outro é dar crédito por saber que ele está na mesma batalha diária que você – todo mundo veio para esse mundo sem pedir, o que não é algo fácil. Automaticamente, todo mundo merece seu respeito por estar traçando seu caminho, da melhor forma possível.
E talvez o segredo dos relacionamentos felizes que as pessoas tanto procuram, esteja em não somente respeitar as diferenças, mas também em amá-las. Precisamos observá-las com admiração, com interesse, com curiosidade. Só assim viver em casal vira realmente uma aventura fascinante. Temos que lidar com as diferenças conscientes que, para o outro, nós é que somos os diferentes da história e que a nossa verdade não precisa ser a verdade universal. Há uma frase excelente do Contardo Calligaris que resume tudo e que diz assim “Receita do amor que dura: amar o outro não apesar de sua diferença, mas por ele ser diferente.”