Por Priscila Nicolielo
Eu já tive uns 754. Meu primeiro, foi pela foto do Michael Jackson, na capa do álbum Thriller. Gostava das covinhas dele. Meu pai me acordava bem cedo só pra voyerzinha aqui assistir ao Michael e as covinhas dançando como monstros. Um monstro que eu jamais alcançaria. Não existem campanhas de prevenção de amor platônico. Peguei, porque entrei sem camisinha.
Depois disso, na primeira série, me apaixonei por alguém mais 3D: Marcelo, o ruivinho da sala. Ele me lembrava o garotinho de um filme triste, que eu via na sessão da tarde e que me fazia chorar. Desde pequena eu encarei o amor como uma novela mexicana bem carregada de drama e maquiagem. Eu soprava bolhas de sabão do meu prédio me perguntando se elas chegariam até o Marcelo. Se elas fofocariam o que eu sentia por ele – porque eu não tinha coragem de dizer (precisava?). Se ele olharia pras bolhas curioso pra conhecer a dona delas e aí teríamos assunto, antes da aula de Estudos Sociais. Óbvio que as bolhinhas explodiam logo, destruindo os meus recados de amor.
Eu não queria namorar o Marcelo. Não queria segurar a mão dele na escola. Eu não era esse tipo de garota, quer dizer, eu tinha sete anos e uma mania constrangedora de ficar vermelha na frente dele. Tipo aquele galo de casa de avó que muda a cor quando vai chover. Como o meu corpo já demonstrava demais – ou eu achava que demonstrava – o que eu sentia pelos garotos, eu decidi não verbalizar. Meu diário era o único pra quem eu confessava tudo. Tipo punhetas literárias.
Se um garoto, de quem eu estava a fim, tirava a blusa na minha frente, eu escrevia. Se pedia os patins emprestado, eu escrevia. Se deixava a cueca aparecer, eu escrevia. Eu lembro de um texto longo sobre como um deles jogou um palito encharcado de sorvete na minha pasta e lambeu em seguida – prometi nunca mais limpar.
A lista de amores platônicos foi engrossando. Eu gostava de longe. Da janela do meu quarto. Da arquibancada da quadra de futebol. Dava destaque a cada papelzinho de bala e bilhete que ganhava deles. Idealizava primeiros encontros. As notícias sussurravam freneticamente nas orelhas do meu diário. Dá pra entender? Eu queria história e não fucking relacionamentos.
Bem tarde, percebi que, enquanto eu fantasiava, eles namoravam outras garotas. Garotas mais desencanadas, que não ligavam quando flagradas babando pra uma foto deles. Garotas que não tinham medo se o namoro acabasse na semana seguinte. Se fossem traídas por causa da peituda mais velha ou por causa da viagem de formatura. Viviam os dias com calma e ficavam com quem queriam. Garotas que não se acharam ridículas, quando beijaram pela primeira vez. Que não tinham medo da outra primeira vez. Enquanto a tonta, que escreve esse texto, levava um ano pra aceitar ficar com alguém e, na maioria das vezes, se arrependia da escolha. Como se ficar com alguém fosse tatuagem, da qual a gente não se livra. Eu tinha medo de acordar e tudo ser de mentira. Ou não ser do jeito da minha mentira. Escolhi o fácil: o platônico. E embora há quem sofra (muito prazer!) com um amor não concretizado e idealizado, é bem mais simples lidar com o medo da rejeição do que com relacionamento real, onde problemas surgem a cada vez que a gente tira a roupa.
Com raiva de mim, o último por quem me apaixonei puxei pro canto numa festa e confessei, como se ele fosse o meu diário. Fuén. A maioria das pessoas, inclusive eu e ele, não sabe lidar muito bem com uma bomba amorosa caindo no colo, agarrando suas mãos pra nunca mais soltar. Ser amado deixa a gente com medo de quebrar a pessoa. Certas frases não precisam ser ejaculadas. Nosso corpo se declara antes da gente perceber que quer. Talvez esse cara já soubesse que eu gostava dele mais do que de mim, pela falta de ar que me assombrava quando ele tava perto. Tomei um fora. Real. Que me fez chorar na cara dele (bêbada, então perdoada).
A realidade me jogou de volta pros diários. Só que em outra página. Eu continuo sendo a voyerzinha dos sete anos junto com a punheteira literária junto com aquela que controla tudo o que passa pela garganta. É um 38 apontado pra cabeça do Eu te Amo. É tudo embaralhado. Ainda choro. Ainda coro. Ainda corro na direção contrária, quando alguém bacana aparece. Ainda me arrependo do que faço no fim da noite. Ainda peço pras bolhas de sabão contarem o que prefiro guardar. E ainda gosto de covinhas. Mas o amor hoje tem textura. Eu consigo encostar nele, sem escrever sobre o dia em que vai me partir.