Era uma fria noite de segunda-feira quando recebi uma proposta deveras ousada, em plena porta de uma banca de jornal. Sexo selvagem: com amor, sem compromisso.* Ele não fez a mínima questão de esconder. Todo mundo viu. Fernando Haddad no caderno principal da Folha de S. Paulo, Débora Falabella na capa da Glamour e até o garçom que tristemente recolhia as cadeiras da calçada em mais um dia de trabalho que chegava ao fim. Não chegou a ser um alarde, mas todo mundo viu. E apesar de ter ficado um tanto quanto envergonhada, aceitei sem titubear. Afinal, já tinha algum tempo que eu não fazia sexo em lugares públicos, e aquela brincadeira poderia me render boas inspirações. Pra começo de semana, até que não estava mal. Se eu simplesmente fosse para casa, teria um risoto requentado para comer, um banho solitário para tomar, uma pilha de louça para ensaboar e um chuveirinho velho para me satisfazer. Então, sem nada a perder, dei-lhe a mão e me entreguei.
Para a minha triste surpresa, o “sem compromisso” se cumpriu, e o “com amor” ficou para outro dia. Ele não me acalantou numa conchinha, não anotou meu telefone, nem separou uma toalha macia para eu me secar quando saísse do banho. Foi bem “amor mal feito e depressa, fazer a barba e partir”, como já previa Chico Buarque. No dia seguinte, restou a vagina latejando e aquele imenso vazio. E hoje, pensando ponderadamente, vejo que fui ingênua de ter caído nas lábias dele. São Paulo diz isso pra todas. Já disse isso pra você, eu sei. Pra minha mãe, pra minha irmã e pra minha melhor amiga também. E só não nos estupra atrás da moita porque não há sequer um arbusto para se livrar do atentado ao pudor nesta selva de pedra. Não há sequer um metro cúbico de ar puro para recompor o fôlego dos casais ofegantes. Não existe amor em ésse-pê.
O que existe é uma porção de casais se pegando nas estações de trem e metrô. Todos eles de pau duro, mas nenhum de coração macio. Nenhum deles ama como eu. Afinal, amar é perda de tempo. E como o tempo não volta atrás, sábios são os que o usam com coisa útil – trabalhar, estudar, trabalhar, cultuar a própria beleza, trabalhar, enfrentar o trânsito, trabalhar, praticar esportes, trabalhar. E os corações que se quebrem, as mensagens que fiquem eternamente nas caixas de rascunho, as flores que murchem, as lágrimas que escorram para lavar as almas. O amor que espere até o próximo verão.
O concreto é a matéria-prima das grandes capitais e também o fluido que corre nas veias dos homens que as habitam. Às vezes, entre um e outro gole de solidão, eu me pergunto: quem foi o engenheiro de merda que calculou as distâncias entre os corpos em São Paulo, que insistem em estar tão longe mesmo quando estão comprimidos uns aos outros no metrô da Sé às seis da tarde? Quem foi o pedreiro incompetente que concretou os todos corações para que eles se contivessem ao bater? Quem foi o pintor de quinta categoria que tingiu a cidade toda de cinza, sem sequer texturizar? Não sei. Só sei que, como boa emotiva, vivo um drama. Porque amo, mas não tenho tempo para isso – afinal, aquela demanda urgentíssima do trabalho era para ontem. Choro, mas não tenho razão para isso – em vez de gastar suas lágrimas numa sessão de cinema, guarde-as para quando seu pai morrer, sua imbecil. Rio, mas não é aconselhável – ser feliz em tempos de exceção é ser louco.
E assim vou enlouquecendo. Como se existir fosse suficiente. Como se viver fosse luxo. Como se o amor fosse um lixo. Enfim, como se enlouquecer fosse absolutamente normal. Acima de tudo, vou enlouquecendo porque quero. Porque não abro mão da minha passionalidade, e ela não abre mão de mim. E como boa paulista que sou, não me resta outra alternativa a não ser amar por entre os carros e sambar com a solidão sob a gélida garoa da avenida Paulista.
*Frase pichada na lateral de uma banca de jornal de uma das zilhares de ruas cinzentas da cidade de São Paulo.
Imagem via Aqui Bate Um Coração