Eu estava solteira, fodida – só no sentido figurado – e mal paga. Levemente deprimida e recém-saída de um relacionamento de anos, ainda tentava curar o doloroso hematoma de um caprichado pé na bunda. Inevitavelmente, bateu aquela insegurança com relação ao próprio corpo que, apesar de jeitosinho, nada tem de espetacular. Dona de temperamento sanguíneo, ascendência grega e, portanto, talento inegável para o drama, eu tinha toda a convicção do mundo de que nunca mais nessa vida conseguiria tirar a roupa na frente de um cara que não fosse o ginecologista na consulta semestral ou o maquiador do necrotério no dia derradeiro. Minhas curvas e reentrâncias estavam fadadas às teias de aranha, à ferrugem, à atrofia por desuso. Nada poderia mudar meu triste destino. Eis que, numa noite qualquer de sexta, cai em meus ouvidos uma perguntinha simples e capiciosa, feita delicadamente num tom repleto de segundas intenções.
– E aí, vamos pra minha casa assistir a um filme?
O sangue subiu à cabeça e me corou as faces. Eu bem sabia como esse filme ia terminar. Na certa, seria Chapeuzinho Vermelho caindo na lábia do Lobo Mau – o que, sinceramente, me parecia muito mais interessante do que simplesmente passar a tarde com a vovozinha saboreando deliciosas geleias e pães doces numa mesa caprichosamente posta com toalha xadrez de piquenique. Tico conversou com Teco e, enfim, eu disse sim. Pra quê renegar o desejo? Pra quê cultivar um câncer? Pra quê fazer cu doce? Foi aí que percebi que, definitivamente, tirar a roupa não seria problema para mim. Pelo menos não nessa encarnação.
Se eu tivesse contado essa história sessenta anos atrás, quatro quintos da sociedade estariam em polvorosa. Meus pais me deserdariam de uma herança que eles provavelmente nem teriam para me dar. Meu avô padeceria do coração, enfarto fulminante do miocárdio. A coluna social nunca mais estamparia uma foto minha. A vizinha orientaria a filha virgem a atravessar a rua quando me visse andando na mesma calçada – vai que promiscuidade é doença contagiosa? Hoje, graças a Woodstock, aos métodos contraceptivos e a uns pares de sutiãs queimados, sexo casual é um prato que se come quentíssimo, apimentado e sem o acompanhamento do amargo peso na consciência.
Fazer sexo casual é arte. É como entregar a Picasso uma tela em branco e uma aquarela com as cores primárias e deixá-lo livre para inventar o expressionismo que ele bem entender. Bocas nos peitos, peitos nas mãos, mãos nos pênis, pênis nas vaginas, vaginas nas bocas. Tudo é bonito quando não se tem vícios, nem ressentimentos, nem nada a perder. Qualquer contato, qualquer suspiro, qualquer sorriso vira amor quando não se espera uma jura ou uma declaração no final da noite. Toda noite fica incrível quando o envolvimento vem de surpresa. E todo café da manhã fica especialmente gostoso quando é tempo de finalmente tirar as máscaras que cobriram o rosto e a personalidade daquele ser cujo corpo você já conheceu tão bem.
Dez horas da manhã, hora de partir. É cedo, mas já está tarde. Um beijinho no rosto, um abraço apertado, uma carona até o metrô. Na cabeça, a lembrança de uma boa noite. No corpo, o êxtase de ter saciado a ansiedade da carne. Sem planos para um futuro próximo. Mas quem sabe num futuro distante? O destino pode fazê-los cruzar novamente num momento mais oportuno da vida, em que vocês estejam dispostos a se gostar por um período maior do que uma simples noite. Mas por hora, é isso o que se tem – amor de doze horas. É preciso amar as pessoas como se elas fossem sexo casual.