“Ca-rên-cia. Substantivo feminino. Do latim ‘carentia’. Falta do preciso. Necessidade. Privação. Carência afetiva, ausência total ou parcial de laços afetivos”. Essa é a descrição do dicionário para essa sensação de vazio que não consegue ser preenchido, mas eu tenho a certeza de que cada um tem a sua própria definição para esse sentimento incômodo. Como aquela cara de vira-lata abandonado que abana o rabo ao ver o dono partir, ou sensação de um frio de gelar a alma e que não há cobertor do mundo que seja capaz de aquecer.
Sentir-se carente é natural, faz parte das idas e vindas da nossa vida. Mas, cada vez mais eu vejo crescer a incapacidade humana de lidar com a carência afetiva. Sabe, aquela fobia de ficar consigo mesmo? A inaptidão em estar só. O temor de “ficar sozinho”. Parece que estamos regredindo: ficamos ligados 24 horas em nossa “vida social virtual” pelo smartphone e desaprendemos a lidar com nós mesmos, a apreciar o silêncio e a própria companhia, a tirar proveito da solidão.
Pessoas que não sabem suprir sua carência me lembram aquela expressão de que não devemos ir ao supermercado fazer compras quando estamos com fome, pois assim compraríamos muito mais de que realmente nos falta. A mesma regra se aplica ao campo amoroso: quando nos sentimos carentes, e não sabemos lidar com isso, é comum embarcarmos em relacionamentos confusos ou falidos. E tudo isso porque nossa cultura praticamente exige que estejamos namorando ou com alguém, como se isso fosse atestado de plenitude afetiva… Bullshit!
Há quem consiga abortar uma relação em potencial incitada pela carência e ficar só no one-night stand. Os carentes conseguem despistar possíveis relacionamentos apostando na tática do “a gente se vê”, “vamos combinar alguma coisa”, “eu te ligo”, “vamos marcar um café” ou qualquer outra promessa evasiva de um suposto encontro que nunca irá acontecer. Aliás, é algo tipicamente do “jeitinho brasileiro” esse costume de se despedir de alguém combinando programas que sabemos que não irão se realizar. O tradicional “passa lá em casa” que deixa os gringos perdidos do tipo: “Mas quando?”, esperando que você confirme a data e hora do evento fictício.
Agora atire a primeira pedra quem nunca engatou uma relação por livre e espontânea carência. Tudo começa com uma ficada inofensiva. É tarde da noite, você voltou sozinho da balada, tá sentindo aquela carência e sem nenhum fuck buddy para atender seu chamado. Aí você se lembra daquela garota do escritório, que nem é tão bonitinha assim – nunca ela povoou seus pensamentos enquanto você batia uma – mas sempre te deu bola, já te chamou pra sair… e a carne e fraca! A carência vence e você liga para a moça. E essa situação se repete na semana seguinte, e na outra também, e também na outra, e na seguinte… E quando você menos espera sua transa-cura-carência já virou um relacionamento – pelo menos na cabeça dela, que confundiu sua carência latente com comprometimento.
Às vezes, os relacionamentos gerados na base da carência dão certo e prosperam. Na maioria das vezes não. A carência nos cega, nos torna menos seletivos, buscando relacionamentos com o intuito de preencher lacunas e não construir vidas. O perigo de levar a carência para um relacionamento mora no fato de você procurar no outro algo que falta em você. Não é possível alguém substituir a peça que está te faltando. Cegamente nos entregamos a uma relação que se transforma em problema assim que termina a fase do encantamento. Confundimos carência com amor, construimos relacionamentos dependentes, enganamos o outro e a nós mesmos. Buscamos apenas ter alguém, não importa quem, mas sim a ilusão de não mais continuar mendigando amor. No calor da carência o pão amanhecido serve, mas e quando a fome passar: o que te resta?