Uns com tanto, outros com tão pouco, e eu com a sua ausência. Sete e quarenta da manhã, coloco os pés no chão: primeiro o direito, para não correr o risco do mau-agouro – precaução nunca é demais, afinal, nada é tão ruim que não possa piorar. Olho para o lado esquerdo da cama que você gentilmente dividiu comigo durante esses pares de anos e percebo que a única coisa que ficou daquela nossa vida, na verdade, foi o que não ficou. Eu não tenho tido muita sabedoria para lidar com a inoperância do meu coração. Um coração que tanto bateu, mas que agora só apanha. Um amontoado de músculos atrofiados e caídos de quatro no ringue da vida, enquanto a sua sombra vem e curra tudo por trás. Sem dó, sem lubrificante e com areia.
Acho que é por isso que dor de amor dói mais do que qualquer Benzetacil nesse mundo. O calibre de uma agulha introjetando mil coquetéis químicos qualquer veia aguenta. Quero ver aguentar o calibre de um pau que, ironicamente, fode a única parte do meu corpo que eu sempre fiz questão que se mantivesse imaculada – o meu coração. E aí, como se não bastasse tamanho estrago, introjeta nele um misto de bem-querer e de malquerer, uma taça de fermentado seguida de uma dose de destilado, um calor insuportável e depois um frio cortante. E eu fico aqui, metade viva, metade morta, pedindo clemência e um copo d’água.
Aqueles quatro cômodos situados à rua dos Operários, número trezentos e quarenta e três, apartamento vinte e nove, aos quais carinhosamente já chegamos a chamar de ninho, também não estão sabendo lidar com o peso da sua partida. A infiltração na parede do nosso quarto aumentou – devem ser os tijolos chorando a sua ausência. Já lavei três vezes a fronha onde você repousava a sua cabeça de segunda a segunda, e ela continua inundada pelas notas cítricas daquele seu perfume inebriante. E por falar em notas, a nossa vitrola, que cantava tão bem, vem desafinando: coloquei “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos” e, pela primeira vez na vida, ela engasgou, como se estivesse tentando extravasar um grito ou um choro preso na garganta. E pra não dizer que não falei das flores, aguei duas vezes as violetas na janela essa semana, e elas continuam tão murchas e esquálidas quanto o meu sorriso.
Meu corpo, que já teve um nome, bom-humor e amor pra dar e vender, hoje é um estabelecimento de portas fechadas e paredes pichadas com a tinta vermelha da sua indiferença. Aquele par de seios pequenos, porém incrivelmente belos, como você insistia em dizer todas as vezes que fodíamos, hoje pendem leve e tristemente num sinal de luto temporário. As unhas vermelhas que tantas vezes desenharam o mapa do Brasil nas suas costas nuas agora vivem foscas e descascadas. E os braços tatuados que você tantas vezes massageou hoje carregam o peso da sua escolha.
Agora é a minha vez. Entre trancos e barrancos, escolho os barrancos. Até que alguém venha, como quem não quer nada, e lá do alto me estenda a mão. E eu segure firme para me levantar. E nós transemos como se não houvesse amanhã. E eu descubra que pau duro é pau duro e é bom em qualquer lugar do mundo. E eu responda a um SMS carinhoso na pouco esperançosa noite de uma quarta-feira. E ele elogie os meus seios com mais entusiasmo do que você. E eu me pegue pensando nele no ônibus a caminho do trabalho. E vivamos mais uma bela e destrutiva história de amor. Mas isso é papo para o próximo capítulo. Por enquanto, sigo fechada para balanço. Até que alguém me balance novamente.
Com pesar,
Um coração em pedaços.