• Não Dê um Tempo. Dê Amor.
  • Não Dê um Tempo. Dê Amor.


    Como num filme antigo em preto e branco, a cena acontece ruidosa, acompanhando a imagem trêmula da tela que reproduz perfeitamente a palpitação dos lábios que nada dizem. As mãos mantêm-se unidas pelas pontas dos dedos, amparadas pelo medo da separação. Os olhos embargados pelas lágrimas tentam ostentar um perfil de certeza, mesmo sabendo que dali pra frente, nada mais seria solo firme.

    Vamos dar um tempo – sussurra um, com a voz falha e apreensiva, dessas que esperam uma catástrofe natural ou um telefonema urgente para correr dali, evitando assim o embaraço do momento.

    O outro lado nada responde. Apenas balança a cabeça positivamente, encarando os sapatos manchados pelas gotas de lágrima que insistem em cair ao lado daquela mancha de vinho tinto, boa lembrança da noite em que ele cismou de dançar tango com uma taça nas mãos. Perdeu-se o sapato naquele dia, mas ganharam-se demasiados sorrisos. E agora, naquela tarde fria e chuvosa, perdiam-se o sapato, os sorrisos, o momento. Perdia-se também o precioso tempo.

    Às vezes o “dar um tempo” é subjetivo, fica mudo nas entrelinhas de uma relação que terminou, porém continua viva, presa na corda invisível do sentimento inacabado, da palavra não dita, do e-mail saudoso, da distância que não se permite ser permanente. Fica acordado no instante em que o cansaço bate e o coração apanha, que ambos precisam de um tempo pra pensar melhor, pra decidir que caminho seguir, tempo pra tomar coragem. Coragem pra dizer, fazer, aceitar, aquilo que há muito já estava em negação.

    Mas o quê de fato significa dar um tempo? Na minha concepção, apenas um punhado de horas extras para se refletir mais acerca de uma coisa que, na grande maioria das vezes, já está decidido. A gente sabe. A gente sempre sabe o que quer, mas falta coragem pra arcar com as consequências e os pormenores do futuro absurdamente amedrontador que está por vir: o amanhã sem as mãos dadas para sempre. Não é o momento que chega, é a gente que chega pronto no momento. Nenhuma decisão é tomada no dia exato de ser colocada em prática.

    Nossas escolhas são diárias, como moedinhas colocadas inocentemente num potinho de sonhos. Quando deixamos de “enriquecer”, quando o potinho começa a esvaziar ou simplesmente quando gastar a moedinha começa a valer mais a pena que depositá-la esperançosa no potinho, quer dizer que o sonho, talvez, tenha perdido o sentido. Daí a gente tenta postergar, afinal de contas, era um sonho tão lindo. E resolve colocar nas mãos do tempo uma fraqueza tão nossa: a dificuldade de assumir que infelizmente os caminhos divergiram, e talvez, só talvez, seja melhor seguir sozinho.

    Uma semana, um mês, um ano a mais. Nada disso vai te fornecer uma verdade diferente daquela que você vislumbrou quando se chateou naquele décimo domingo seguido em que ela implicou com o futebol com os amigos. Ou quando a desculpa da dor de cabeça precisou ser usada pela terceira vez esse mês pra evitar dormir na casa dele. Uma relação, quando se desgasta, nunca é de vez. É sempre aos pouquinhos, nos pequenos requintes de delicadeza do cotidiano que se desfazem, e junto com eles vão-se as certezas. Claro que um término deve sempre ser muito bem ponderado, analisado e refletido, independente da natureza do envolvimento ou do tempo de duração. Mas que isso de preferência não envolva duas pessoas estagnadas em um espaço de tempo pré-determinado (direta ou indiretamente) à espera de um sinal divino que as convença de tomar outro caminho.

    O tempo não resolve nada. Pessoas resolvem as coisas. Não acabou? Então lute, lute bastante, lute até o fim. É o fim? Que as pontuações gramaticais sejam empregadas da melhor forma e que as vírgulas e reticências deem lugar aos pontos finais. Até porque começar uma nova frase, mesmo que seja no mesmo capítulo, é muito mais emocionante do que preencher uma lacuna entre vírgulas. Coragem para seguir o rumo que precisa ser seguido. Respeito para não “amarrar” o outro em uma coleira imaginária enquanto você vai ali, testar infinitas outras possibilidades de vida e amor, pra ver se é isso mesmo que você quer para esta estação. Amor para permitir que o outro faça suas próprias escolhas, no livre arbítrio de ser, estar, permanecer e – por que não? – se arrepender depois.

    No mais, um bom vinho, um livro, e um banquinho na praça num entardecer de domingo… Porque os mesmos ventos que levam no outono as folhas secas e cansadas trazem de volta na primavera os lírios e as cerejeiras, que podem ou não dar no mesmo pé de outrora, mas certamente florescerão mais lindos e renovados do que nunca.


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