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Não tem copo com uísque e gelo. Não tem cigarro e sofá de couro. Não tem escrivaninha no canto da sala nem janela com o vidro parcialmente quebrado, daquelas que oferecem uma vista única para o subúrbio cinzento de uma cidade. Nada de prostitutas, travestis e drogados na passarela urbana. Só há o barulho da chuva sendo mesclado lentamente com asfalto vagabundo, sacos de lixo e alarmes de carros. É uma fria noite paulistana e entre uma sirene e outra, só consigo me lembrar do seu sorriso. Peitos e bunda também, mas o sorriso prevalece.
Pode parecer mentira, mas ela existe. É quando você percebe que todas as suas brincadeiras aparentemente inocentes surtiram efeito. As moedas de um centavo jogadas naquela fonte velha já muito urinada por jovens e frequentada por moradores de rua, os desejos bêbados sussurrados para estrelas cadentes que você jurava que tinha visto ou os pedidos mentalizados por décadas em apagar de velas de aniversário. É inesperado e, justamente por ser inesperado, é perfeito. É uma sensação estranha, mas é um “estranhamento” agradável, bom de ser sentido, curtido, apreciado.
Ela, por sua vez, mesmo sem ser convidada, apareceu. Na verdade apareceu umas três ou quatro vezes e em formas, épocas e formatos diferentes. A grande questão é saber diferenciar todas essas variáveis até chegar naquela em que você julga ser a verdadeira, ou pelo menos a que você julga valer a pena se arriscar – de novo. E quando descobre, a satisfação de não mais precisar procurar é inigualável. Não me importo muito com créditos, quem encontrou quem. Até prefiro pensar que fui encontrado. Dá pra me sentir premiado, vencedor de uma loteria com cinco continentes e 7 bilhões de possibilidades.
É estranho, porém mais vale um cigarro aceso na boca do que todos dentro do maço intacto. Okay, há cigarros. Não há como escrever sem sentir o cheiro dos grandes escritores. Não há poesia se não há fumaça. É como sexo sem gozo. Há coisas na vida que não podem ser separadas, mesmo sendo colocações puramente humanas e capitalistas. Somos animais movidos por itens básicos, mas gostamos do complexo processo de aproximação física e sentimental, a paixão. Hoje eu sou o cigarro e ela é a minha boca. Eu sou a fumaça e ela é a minha poesia.
Tudo é muito simples. Simples como passamos do primeiro olhar no estacionamento de um hospital para a simbiosidade de um casal urbano. Simples como comer comida japonesa – mesmo eu detestando comer comida japonesa. Simples como convencê-la a comer cachorro-quente quase todos os domingos. Simples como deixar a tampa da privada levantada e levar um pitaco por isso. Simples como puxar propositalmente o cobertor durante a madrugada só para levar uma bronca bêbada de sono e, de quebra, tê-la juntinho de mim devido ao frio. Simples como abdicar do meu futebol semanal para assistir aquela comédia romântica que de comédia não tem nada. Simples como ser obrigado a passar em frente a uma loja de joias e dizer quais modelos de relógio você gostou – quando na verdade você já decorou os tipos, preços e códigos de todas as alianças da vitrine.
É simples assistir a um documentário de três horas e ela dormir nos primeiros três minutos no seu colo. É simples sentir sua respiração vagarosa, profunda, calma. É simples se esquecer do documentário e passar a notar suas bochechas rosadas. É simples ficar observando sua boca entreaberta, seus lábios finos e delicados. É simples olhar para a janela e ver uma noite paulistana qualquer. Mais uma noite com o barulho da chuva sendo mesclado lentamente com asfalto vagabundo, sacos de lixo e alarmes de carros. Simples como ter a certeza de que, no final do dia, tudo sempre é por ela. Tudo sempre foi por ela.
A perfeição atravessa discretamente profundos olhares secretos, a alma suspira a renovação do corpo, a vida retoma todas as suas formas, o absoluto, simples como amar, simples como dizer eu te amo.