Procura-se um homem que negue fogo.
Não, vocês não estão loucos. Tampouco eu. Mas acontece que, de uns tempos pra cá, mudei drasticamente o anúncio de procura-se que certa vez estampei nos jornais da vida. Pode ser que seja a idade. Ou o amadurecimento dos meus valores. Ou simplesmente a dificuldade de encontrar alguém que tivesse prazer em dar conta do recado e não o fizesse com aquela cara de obrigação, com aquele ar de é-segunda-e-eu-ainda-tenho-a-semana-inteira-pela-frente-que-saco. Porque assim como eu não nasci pra lavar e passar, prazer não nasceu pra ser obrigação.
Se antes eu queria um Homem, hoje me contento – e muito – com um homem. Que escreva certinho, mas sem a menor obrigação de me surpreender com analogias dignas de Quintana. Que cheire bem, mas que não se desespere quando o desodorante vencer. Que chore de soluçar assistindo à Sessão da Tarde, se a morte do cachorrinho falante do filme mamão-com-açúcar o comover. Que se emocione ouvindo Michael Jackson na época do Jackson Five, como eu faço até hoje. Que me chame para discutir a relação se eu lhe der menos atenção do que dou à minha coleção de discos de vinil. Que use meu secador de cabelo caso julgue que assim seus cachos serão molinhas mais agradáveis pra eu brincar com um lápis HB. E, principalmente, que negue fogo se não tiver pique para me acompanhar sexualmente.
E não: a menos que isso aconteça com frequência, eu não vou procurar na rua. Não vou fazer a Vani e dar pro primeiro pinto que passar na calçada. Não vou xingar muito no Twitter porque durmo ao lado de um homem que brochou ocasionalmente na última noite de quinta. E que não deu conta naquela tarde de terça, nas férias de janeiro. E que me negou fogo numa tarde de domingo, na semana da pátria do ano passado. Não vou duvidar da sua masculinidade, não vou sentir saudades do meu ex-namorado, não vou acionar a justiça pra desfazer a nossa união estável. Vou apenas olhar o seu pau murchinho com carinho, lamentar que a brincadeira não se prolongou, terminar o serviço com os seus dedos ou com o meu amigo a pilhas e agradecer por dormir ao lado de um homem que entende que ser homem é muito mais do que fazer o papel de provedor do pinto duro e do tesão infinito.
Negar fogo é humano. É livrar-se das convenções sociais jurássicas que ditam que o desejo do homem é legítimo e deve ser expressado, enquanto o da mulher é condenável e deve ser reprimido. É dizer adeus ao machismo embutido na estúpida ideia de que a bandeira hasteada do verdadeiro macho é o pau duro. É respeitar, acima de tudo, a natureza humana – se até máquinas produzidas com toda a inventividade tecnológica não são à prova de falhas, quem dirá o homem, cujo processo de produção é o mais antigo de que se tem conhecimento. Portanto, conforme-se de que, um dia na vida, você negará fogo. Há quem o faça disfarçado de stress por causa do trabalho, há quem o faça disfarçado de dor de cabeça. E olha, pra esse tipo de dor de cabeça, ainda não inventaram remédio melhor do que a sinceridade.