A gente sempre ama tudo e todo mundo, né? Ou quase. Na verdade a gente prefere amar tudo que não tome muito do nosso tempo. Eu amo um filme que daqui a duas horas e meia vai acabar. Amo um livro que vou poder fechar e dormir quando me der sono e voltar a ler quando – e se – sentir saudade. Amo uma meia dúzia de séries que duraram, no máximo, dez temporadas.
Virou mania reclamar que não existe amor em SP, na PQP e por aí vai, mas o fato é que amar dá um puta de um trabalho. Não é do amor que as pessoas têm medo. É o “não saber lidar com o amor que assusta”. Se já é difícil administrar o que se sente sozinho, imagina colocar na própria conta o sentimento de uma outra pessoa. Ainda mais uma pessoa que, como você, tem uma história antes mesmo de sonhar com a sua existência e, também como você, tem um monte de defeitos. Porque – convenhamos – ninguém é perfeito.
Todo mundo surta, acorda de mau humor, descabelado, briga com a família, com o chefe, engorda, emagrece, tem um ponto fraco, é viciado em alguma coisa, xinga a mãe dos outros – às vezes a sua, no caso – sente vontade de mandar todo mundo se foder, em alguns dias não quer falar com ninguém e, muito menos, responder mensagens fofas, tem medo de ser demitido, de nunca conseguir realizar nada de bom nessa vida, chora de ódio, sai rolando sozinho possuído por aquela alegria extremamente irritante e vai, uma hora ou outra, acabar criticando alguma coisa em você ou em alguém que vai te incomodar.
E daí se leva tudo assim, nesse banho maria eterno. Amando quando consegue sentar no ônibus na volta do trabalho. Quando encontra aquela vaga estratégica no estacionamento do shopping. Quando o sinal do 3G da sua operadora tá uma benção de tão bom. Quando o wi-fi alheio não é protegido com senha. Quando a previsão do tempo consegue acertar a temperatura de um único dia no ano.
Amar um ser humano exige paciência, engolir sapo, abrir exceções, jantar com um tio mala de vez em quando, se preocupar com o bem estar de outro alguém, dormir abraçado em pleno verão, se entregar e – o mais importante – querer que dê certo. A questão não é se anular ou esquecer de si mesmo, e sim se enxergar melhor e completo, sendo e fazendo parte da vida de outra pessoa. E nem sempre se está disposto a isso. Daí a gente se arrisca uma vez ou duas e quase consegue. Mas depois se conforma e desiste porque, no fundo, o que vale mesmo é a tentativa.
O fato é que não existe um quase amor. O amor foi feito para ser sentido por inteiro. A gente que insiste em ignorar tudo isso e amar pela metade. Não rola subtração no amor. É o tipo de sentimento que a gente só multiplica. E se um amor não dá certo, você transfere a equação pra continuar amando. Pode até tentar zerar a conta pra começar de novo, mas o que foi vivido antes te transforma de alguma maneira. Seja pra continuar apostando no que deu certo, seja pra não dar murro em ponta de faca e cometer os mesmos erros.
E não é fácil mudar. Virar a mesa e sair por aí abraçando todo mundo de corpo e alma. E desenhar coraçõezinhos em todas as mensagens no Facebook e Skype. Ou pode ser só questão de tempo e que nada tenha acontecido pra nos arrancar da zona de conforto, porque tá tudo bem do jeito que está e amanhã vai continuar tudo na mesma.
Todo mundo, pelo menos uma vez na vida, já foi mordido pelo monstro da paixão/amor/afeto. E semana que vem, daqui um ano ou dez – quando ele aparecer de novo e atacar – vai haver rejeição e aquela lenga lenga de fugir mais uma vez. E hoje, aqui e agora, pode ser que ainda não tenha ninguém pronto pra isso, mas quase. E esse processo de transição pode ser lento e quase imperceptível.
Porque, quando aquele sentimento mais ou menos cansar de ser empurrado com a barriga e decidir dar um chute na porta, esteja preparado: ele vai passar, levar a maçaneta, o batente, um pedaço da parede, seu modem, o notebook e, de quebra, você a tira colo.