• Pelo Direito (Ou Dever) de  Não Ser Mais Um Na Multidão
  • Pelo Direito (Ou Dever) de


    Não Ser Mais Um Na Multidão


    E aí que você caiu de paraquedas nesse mundão. Assim mesmo. Sem pedir, sem saber, sem pagar, sem receber. O troféu por ter vencido a tão disputada maratona de espermatozoides foi uma recompensa chamada vida. Tendo a vida em mãos, a sua primeira pergunta foi: mas o que é que eu faço com isso? A resposta do mundo foi a mais econômica possível: simplesmente viva – por mais que ninguém tivesse explicado para você o que isso significa. O manual de instruções da vida? Desde os tempos mais remotos, não se sabe onde ele foi parar. Alguém deve ter colocado para reciclar na última faxina, achando que era uma simples receita de bolo de laranja ou o rascunho da redação do último Enem. E agora, José?

    Agora é você no meio da multidão. É mais um paulistano apressado no metrô da Sé às seis da tarde, mais um turista esperando para subir no Cristo Redentor, mais um folião seguindo o trio elétrico no carnaval da Bahia. A princípio, você é só mais um grãozinho de areia nesse mar de gente, uma gota de sangue nos seis litros que irrigam o corpo do moço da banca de jornal, uma folhinha na copa de uma árvore frondosa. Um igual entre iguais. Mas fazer diferente é possível. E só depende de você. Afinal, deram-lhe um nome, 23 pares de cromossomos, cara, coragem e uma caixa de lápis de cor para pintar as paisagens que você vê e os caminhos por onde você passa. Basta saber usar essas armas com criatividade.

    Você pode colorir sua vida como quiser, mas opta por pintar o sol de amarelo, o céu de azul e a natureza de verde – como todo mundo faz. Acordar xingando o despertador e pisando com o pé direito para evitar mau agouro – como todo mundo faz. Reclamar do trânsito e da chuva logo cedo – como todo mundo faz. Trabalhar infeliz das 9h às 18h, chegar em casa, sentar-se no sofá e colocar os pés sobre a mesinha de centro da sala – como todo mundo faz. Dar um beijo mecânico na sua companheira e passar o jantar inteiro reclamando da última reorganização na empresa – como todo mundo faz. Colocar a cabeça no travesseiro e pensar nos problemas que você terá que resolver no dia seguinte – como todo mundo faz.

    Ou pode optar por viver com originalidade. Por pintar o sol de violeta e a natureza de laranja, como num quadro de Picasso; por acordar com aquela música que o faz sorrir; por aproveitar o tempo dentro do ônibus relendo o livro favorito da sua infância; por trabalhar com aquilo que o faz feliz, mesmo que não seja a profissão que lhe traga mais dinheiro; por chegar em casa e botar as mãos na massa – literalmente – na hora de preparar aquela comidinha deliciosa; por planejar os programas do próximo final de semana durante o jantar; por colocar a cabeça no travesseiro e acreditar que a inspiração para resolver aquele problema chato pode vir durante a madrugada, na forma de um sonho. Por ser o grão de areia que grudou no chinelo do turista, a gota de sangue que participou de uma bem-sucedida transfusão, a folhinha que aproveitou a última ventania para se emaranhar no cabelo da menina.

    É preciso originalidade para não se deixar engolir pelo mar de gente. Se é fácil? Bom, se viver fosse fácil, a gente nasceria rindo, e não chorando. Se vale a pena? Quem arriscou diz que vale – e muito. Arrisque você também. Num mundo que preza pela liberdade de escolha, você pode ser o que quiser: multitarefas, multicolorido, multiuso, multirracial, multimídia, multidisciplinar e até multi-instrumentista. Tem certeza de que, com tantos “multis” disponíveis, você vai escolher ser só mais um na multidão?


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