Carolina conheceu José em uma noite fria de inverno, parada ali, na saída da padaria, à espera da carona de volta para casa. Carolina era florida, assim como seu moleton de cores vivas e alegres, que contrastava com o cinza da estação. Carolina sorria. Sorria despretensiosamente, além dos lábios, com olhos que pareciam guardar uma felicidade gratuita. Observava com tamanha quietude os passantes que perambulavam pela rua àquela hora da noite, que mal se conteve quando a buzina do carro que a aguardava ecoou pela terceira vez. Na corrida para ir embora deu de cara com José, que num golpe certeiro de sorte salvou a fornalha do pão. Deliciosamente sorriram juntos, aquele que talvez fosse um dos únicos e últimos sorrisos sinceros que dariam ao lado um do outro.
Como dizia Cazuza, o mundo hoje é dos amores inventados. O que se vê, muitas vezes, não é o que se tem. Carolina deixou de brilhar porque se permitiu ser a ilustre protagonista de uma relação que simplesmente não a fazia feliz. Assim como tantos outros modelos de relacionamento fadados ao fracasso, uniões como a dela primam pela anulação, muitas vezes involuntária, do outro, aquele com quem sonhávamos dividir a vida. Pequenos requintes de delicadeza e gratidão que cimentam os pilares de qualquer relação saudável passam a ser deixados de lado, e o amor, que em tese deveria apenas adicionar coisas boas, começa a subtrair, diminuir, retroceder. Implica-se com as roupas, o palavreado, os amigos, o modo como se comporta na balada, na faculdade, na vida. Deixa-se de escutar para supervalorizar um discurso unilateral. Quando se vê estão ocupados demais para conciliar as férias e desinteressados o suficiente para não dividir os fatos cotidianos. Tudo isso apimentado muitas vezes pelo ciúme exagerado, a falta de interesse pela rotina do outro, o silêncio quando é pedida a fala, a solidão a dois. Perde-se a essência do que se foi um dia, para tornar-se a essência das expectativas do outro. Em histórias como a de Carolina, viver uma relação exige um tato tão descomedido, que os protagonistas antes sós, porém, floridos, tornam-se secos e sem vida – mais ou menos como acontece com uma árvore no outono.
De repente, ser dois passa a ter menos valor do que ser um só. Uma parceria que deveria somar, acrescentar, revigorar, passa a reduzir a equação desse amor a zero. Daí me pego a pensar sobre o real motivo de se sustentar uma relação. Porque olha, amor não ampara o edifício quando ele está prestes a ruir. Mas o respeito, a cumplicidade, a troca e a parceria, sim. Relacionar-se com alguém só vale realmente a pena se essa pessoa te torna o melhor que você pode ser, te instiga a crescer, a ser mais e melhor para o mundo, para o outro. Clichê, mas eu não poderia sintetizar melhor. E repito ontem, hoje e sempre: amor não é barganha. Você é você, ele é ele, Carolina é Carolina, José é José, se conheceram assim, se gostaram assim, deveriam se acrescentar assim. Sem poréns, apesares, moldes ou convenções. Ninguém muda ninguém e nem deveria. Amar é desejar o outro pelo que ele é, e não pela sua definição do que ele deveria ser. Talvez esteja implícito aí um dos princípios básicos de qualquer relacionamento: o respeito à individualidade do parceiro. O correr da vida já deixa tudo tão carregado, que dividir os dias, os anseios e receios com outra pessoa só é válido se o peso do mundo couber no espaço de duas mãos dadas, e que elas de preferência caminhem juntas em uma mesma direção. Se não brilha mais, não aquece, não transborda, não consome, não cresce, não enaltece, é de fato melhor, prosseguir a caminhada sozinha (o).
Quanto ao pseudônimo de Carolina, bom, conheci várias (e vários) ao longo desta vida. Algumas mantêm um modelo falido de relacionamento perante a sociedade apenas para sustentar um status ou por mero comodismo. As mais espertas compreenderam que amor é uma ESCOLHA, e não um sinônimo abstrato de anulação e negação. As primeiras definharam sem perceber e perdendo toda a vontade e alegria de viver, seguiram, por livre arbítrio, infelizes para sempre. As últimas trocaram os “Josés” pelo doce sabor de suas próprias companhias. Leves, garbosas e novamente sorridentes na porta da padaria, se deram a chance de tropeçar num Pedro, que não salvou a fornalha do pão, mas em compensação se ofereceu para cozinhar uma massa em troca do jantar perdido. No fundo, tudo se resume a quantos dígitos você deseja ter na equação do seu relacionamento. Por mim, quanto maior a aposta, mais bonito e colorido o sentimento fica.