Sabe, no começo eu até via algum resquício de graça nessa onda do politicamente incorreto. Me parecia um grito pela tão sonhada liberdade de expressão. De certa forma, nós, adolescentes desamparados por um sistema educacional que sempre deteriorou os estudos sociais porque eles nunca ajudaram a formar profissionais meramente técnicos, víamos neles aquela coragem de falar, de transgredir, de lutar contra a ~caretice~. Mas acontece que depois de umas leituras, umas conversas de bar e uns aprofundamentos em movimentos sociais, a gente começou a ver que os tais engraçadinhos, na verdade, não faziam muita coisa a não ser perpetuar preconceitos e diferenças de maneira completamente escrota.
E ele, o mestre da arte da escrotice, deu as caras mais uma vez. Como se não bastasse o racismo na comparação entre o King Kong e um jogador de futebol, o antissemitismo na piadinha sem graça sobre o metrô em Higienópolis e a misoginia no episódio da doadora de leite materno (que diminuiu em 70% sua produção de leite por causa do inconveniente), o grandioso Danilo Gentili atacou novamente. Com pedras, garrafadas, socos ingleses e… Machismo. Uma reação desmedida a uma simples crítica. Uma reação desmedida de alguém que simplesmente não entende aquele preceito básico de convivência que todo ser humano aprende assim que vem ao mundo: respeito é bom e todo mundo gosta – menos mulher de malandro.
Chupadora de rola de genocida e corrupto. Foi exatamente essa a expressão que o engraçadíssimo comediante – ai, peraí, que vou fazer xixi nas calças de tanto rir – usou para atingir a internauta que apenas havia criticado as referências de que Gentili se apropriou para criticar o esquerdismo. Não, nada justifica. Nem o fato de ela tê-lo chamado de babaca – o que, pra mim, pode ser respondido com um “boba, chata e feia”. E antes que algum dos fanzocas venha se doer pelo mestre, eu não estou tolhendo o direito dele se defender. Todo mundo tem direito a abrir a boca – nem que seja para defecar pelo orifício errado. Mas me sinto obrigada a condenar o tipo de defesa pela qual ele optou – aquela que não enriquece a discussão, mas que apenas ofende. E ofende da pior maneira possível: reforçando um preconceito e atribuindo uma conotação pejorativa a algo que não é necessariamente negativo – chupar um pau. Isso implica, de certa forma, no raciocínio de que mulher gostar de sexo é motivo para hostilidade, humilhação e vergonha. Porque dignos são somente os chupadores de boceta. Agora chupar um pau? Se você é uma dessas contraventoras que praticam sexo oral, abra um buraco no chão e enterre a cabeça já, sua imunda.
E enquanto a gente segue negando a nossa sexualidade, escondendo o absorvente no fundo do carrinho de supermercado, prendendo os peitos em sutiãs em nome de nossinhô e não transando na primeira noite pra não parecer vagabunda, os politicamente incorretos estão por aí, fazendo chacota, condenando o prazer feminino e contribuindo para perpetuar a ideia de que mulher direita só deve fazer sexo como método de reprodução ou como forma de agradar ao parceiro. Uma vez que só o prazer masculino é legitimado pelo pensamento dominante e que só fazer piada com as minorias é que tem graça, será que é mera coincidência os alarmantes dados de que 85% dos homens achem inaceitável que a mulher fique bêbada, 69% não deixam as mulheres saírem com amigos desacompanhadas deles e 46% não admitem que suas parceiras usem roupas curtas e decotadas? Todos esses dados estão lindos, maravilhosos e absolutos na pesquisa “Percepções dos Homens sobre a Violência Doméstica contra a Mulher”, divulgada pelo Instituto Avon e pelo Data Popular no último dia 29. E, combinados à informação de que 56% dos homens admitem já terem agredido (física ou verbalmente) as respectivas parceiras, esfregam na nossa cara uma realidade preocupante: a de que o ~sexo frágil~, coagido por meio de pressões físicas ou psicológicas, ainda é visto como submisso ao sexo masculino. Somos o sétimo – veja bem, SÉTIMO – país dentre 84 no ranking de assassinato de mulher. Ganhamos de todos os países árabes e africanos – sim, isso inclui aqueles países do Oriente Médio onde os homens jogam ácido, mutilam e apedrejam mulheres em praça pública como forma de punição a um comportamento ~inadequado~.
Assustador, não? Por isso, antes de fazer uma simples piada com quem quer que seja, pense se a sua risada realmente vale mais do que a dignidade do próximo. Fazer troça, rir da troça e compartilhar a troça são comportamentos que nós sabemos que são nocivos, mas cujo potencial destrutivo nos negamos a aceitar. Afinal, eu não quebrei lâmpada na cabeça do homossexual na Paulista, só fiz uma piadinha e estou fazendo uso da minha liberdade de expressão. Você, que tem nojo de sentar ao lado do negro no ônibus, que ri da maneira como o gay se veste e que grita “PUTA” pra qualquer mulher que contraria o seu senso de moral, é imensamente responsável pelo racismo, pela homofobia e pelo machismo que empesteiam a nossa sociedade. E não vá achando que rezar um pai-nosso e três ave-marias antes de dormir garantirá uma consciência limpa e a sua vaguinha no céu, amigo.