“Poligamia é coisa de quem não quer firmar compromisso nenhum. É coisa de moleque mimado que quer comer todo mundo ou coisa de piranha. Cidadãos de bem nunca pensariam nisso, gente bem criada entende que um bom casamento e uma relação longínqua entre duas pessoas – mas só se forem heterossexuais – é o futuro perfeito pra alguém.”
Ouvi esse trecho acima algumas vezes já. Enquanto alguns sonham em encontrar o amor da sua vida, o Princípe Encantado ou uma atriz pornô sueca, outros pensam apenas em conhecer pessoas e compartilhar seus mundos. Eu sou uma delas, e antes que você me ataque como a maioria faz, digo que isso não é nenhum problema ou uma daquelas anomalias psicológicas que Freud adoraria tratar.
Meus pais me criaram com uma visão bonita do amor. Um casamento estável de 20 e tantos anos, 2 filhos bem criados, uma situação estável com casa própria, algumas viagens, carro na garagem e tudo mais. A vida perfeita convencionalmente aceita pela maioria das pessoas. Nos bastidores dessa história de amor, no entanto, algumas histórias de infidelidade, algumas sessões de terapia, alguns comprimidos pra dormir e resgatar da depressão e um sorriso bonito na cara pra sustentar o cenário perfeito da sociedade. Funciona pra eles, ótimo. Mas pra mim (e pra muita gente) a coisa não é bem assim.
Quando nascemos, automaticamente entramos num jogo cheio de regras cagadas por aí. Cadê aquele termo em que eu declaro que li e aceito as regras impostas pela sociedade? Não existe. É meio como um “vai lá, campeão, se vira”. Na verdade, é bem mais um “vai lá e vive exatamente o que todo mundo espera que você viva”. No meio dessas expectativas todas, eu sempre me enxerguei de um modo diferente: gostava sempre de duas ou mais pessoas ao mesmo tempo. Cheguei a me apaixonar perdidamente por três garotas no jardim de infância. Mais duas no ensino médio. Mais algumas mais tarde. Mesmo sendo claro e dizendo abertamente que me sentiria infeliz se tivesse que abrir mão de uma das pessoas pela qual me apaixonei, continuavam me empurrando prum muro. Grifado nele, a palavra “escolha”.
Deixe-me ser claro: eu já fiz uma escolha. E estou apaixonado por duas pessoas ao mesmo tempo. Consigo viver com as duas pro resto da minha vida (ou até o sentimento durar), mas não preciso escolher uma só. Eu concordo, elas concordam. O relacionamento funciona bem assim e elas podem se relacionar com quem quiserem. Eu funciono bem apenas tendo as duas. Isso me torna menos respeitável do que a maioria? Não. Isso me torna um depravado estranho que não quer arcar com relacionamentos sérios? Eu arco, meus relacionamentos são tão sérios quanto o seu e possuem regras também. A única diferença é que existe mais de uma pessoa envolvida neles. Como a Aline do seriado, eu me divido entre duas pessoas que me completam. E acho que restringir a sua vida a uma única pessoa é decretar infelicidade a ambos. Imagina só ser responsável por todas as expectativas, frustrações, desejos (emocionais e sexuais) de alguém, além de privar essa pessoa de conhecer outros mundos?
Não, não me incomodo. Desde que tudo seja feito com respeito e de forma clara. Mas as pessoas têm o costume de achar que o que foge do convencional é errado. Se não está na Bíblia, é do capeta. Se ninguém fez isso antes, é estranho. E tentam fazer de você um peão do Jogo da Vida que deve circular por aquele velho tabuleiro conhecido. Viver modelos pré-concebidos de relacionamentos é o mesmo que decretar a sua própria infelicidade. A gente não merece isso, ainda mais em algo que deveria ser prazeroso, ainda mais se você descobre que não existe só uma pessoa pra ocupar um espaço bonito na sua vida.
Assim como eu, muitas pessoas funcionam desse jeito. Elas amam mais de uma pessoa e se relacionam de um jeito só delas. E não, isso não é traição. Não, também não é indecisão ou falta de vergonha na cara. É só uma forma de manifestar amor, assim como você manifesta no seu casamento, ou no seu namoro, ou em qualquer que seja seu modelo de relacionamento. Se funciona pra você, ótimo. Funciona pra gente de outro modo. E o que importa é que a gente é feliz.