Não troco, por nada, nem por um solitário mergulho nas águas mornas do mar Mediterrâneo, a chance de dividir – sempre me descobrindo para deixar ela coberta – o guarda-chuva com ela. “Está chovendo em você, cabeção!”, ela costuma me alertar, mas eu, para evitar a possível gripe dela, com cara de herói de faroeste, faço pouco caso dos pingos que, como malditos meteoritos gelados, colidem insistentemente sobre o meu ombro descoberto. “Eu não sou de açúcar!”, afirmo como se eu não estivesse nem aí, mas, cá entre nós – só entre nós, viu? -, eu odeio tomar chuva. Mas a amo, e isso muda tudo. Até o sentido da palavra “razão”.
Outro dia, sem direito a acompanhante, convidaram-me para a sessão inaugural de um novo cinema da cidade. “É a maior tela do mundo. Estará nas páginas do Guinness Book!”, disseram-me, mas eu, sabendo que nenhuma tela é grande o suficiente para superar a vontade que eu sinto de usar a telinha da casa dela como desculpa para terminar, com ela, misturado e sob o edredom, recusei o convite, comprei quase um quilo de pipoca e aluguei um filme, qualquer um, já que o meu intuito não era vê-lo. Não me pergunte quem eram os atores, pois eu realmente não sei. Só sei que ela, naquela noite que tinha tudo para ser apenas mais um momento de descanso do sol, fez o papel principal e transformou uma terça qualquer em um carnaval fora de época. Enquanto o mocinho explodia prédios e capotava carros para tentar chamar a minha atenção, ela me fisgava fazendo, com voz manhosa, as mais deliciosas propostas ao pé do ouvido, e, para arrepiar até a minha alma, ofegava rente à minha orelha. Resultado: enquanto o vilão tomava a merecida surra final, ela, já sem a camiseta estampada com bigodes e sem a calcinha demasiadamente pequena para qualquer mínima estampa, desafiava o frio do inverno e também o meu poder de autocontrole. E me dizia, apenas com a língua dos beijos, que a companhia, a menos para quem ama, importa mil vezes mais do que o cenário.
Por ela, eu não trocaria as águas do mar Mediterrâneo e as telonas dignas de figurar no “livro dos recordes”; se eu pudesse, para não precisar vê-la rolando de um lado para o outro da cama, eu assumiria as cólicas dela e a deixaria com a minha paz masculina sem surpresas menstruais. Se de alguma forma fosse possível, para não sentir a aflição que eu sinto quando não posso fazer nada para ajudá-la, eu pegaria a enxaqueca dela para mim e, em troca, daria a minha cabeça que não dói nem depois de uma garrafa de tequila misturada com um rock no último volume.
Tudo o que eu acabei de afirmar, para quem não ama e nunca amou, pode parecer coisa de gente irracional ou à beira da insanidade total. Mas quem disse que o amor é razão? Aliás, o amor é razão SIM! Razão para as melhores loucuras da vida e para que sejamos capazes de enxergar, nos braços do ser amado, o mais valioso dos palácios e o mais seguro dos castelos. O amor é razão para deixarmos que a emoção tome conta de nós a ponto de gastarmos todo o dinheiro que temos na poupança somente para levá-la para brincar na neve no Dia dos Namorados. O amor é razão para que tudo aquilo que, antes do amor, parecia maluquice, torne-se completamente digno de ser realizado e mais importante do que qualquer plano de carreira ou diploma emoldurado. O amor, meus caros, é razão para que, só para vê-la sorrir satisfeita, o risoto caro pareça mais barato do que o Baratíssimo do Subway. É também razão para que os programas caros, sem um amor, pareçam bem menos valiosos do que brindar coxinhas na padoca da esquina com ela.
A verdade é que, para quem está de fora, o amor certamente parecerá loucura, mas que, para quem está com ele por dentro, o amor verdadeiro soará sempre como a mais incancelável das razões. Ainda bem!