Essa é a história de garoto-conhece-garota. O garoto é, bem, qualquer garoto que tem no mínimo, sei lá, quinze anos. A garota também.
O garoto olha para a garota e sente, quase instantaneamente, que está apaixonado. Sua baixa autoconfiança, porém, diz a ele que suas chances de conquista-la serão mínimas se um dos recursos utilizados para isso for a honestidade. O ideal, então, é conquistar sua amizade.
E lá vai ele. Semanas, meses, anos (!) ao lado dela, apoiando-a em todas suas decisões, ouvindo sobre os garotos que ela gosta, suas ilusões e desilusões amorosas. Sofre junto – sofre mais que ela, justamente por não ser aquele que faz o coração dela bater mais forte. Descobre que a melancolia de um amor não correspondido parece ainda maior que um coração partido.
Um dia, tomado por uma coragem súbita e certo que iria ser recompensado pelos anos de espera e paciência, se declara. Segundos depois, ao ouvir a frase “mas eu amo você como um amigo”, rebela-se. A dor vira ódio. A paixão vira rancor. Vai embora às pressas, sem conseguir conter as lágrimas e antes mesmo de chegar em casa já sabe toda a playlist que vai montar para sofrer de (des)amor. “Friendzone” é o título da coletânea.
Ainda que essa seja uma história ficcional (não apenas nessas linhas mas em filmes, músicas e seriados de TV), o tal mito da Friendzone é um dos maiores equívocos que essa geração (e a geração que veio antes, e a geração que virá depois) encara. Um equívoco que machuca todos os lados mas que, em suma, afeta muito mais as mulheres. E isso precisa acabar de uma vez por todas.
Por quê? Porque, para início de conversa, se apaixonar por alguém não é como o vestibular. Não existe uma fórmula para seguir, um livro para estudar, uma prova para passar. Você pode até se apaixonar por um amigo que, com o tempo, despertou um novo sentimento em você, mas isso não foi e nunca será uma obrigação. Sentimentos não podem ser medidos com uma régua e amor não é matemática. Você pode (e deve!) se apaixonar pelo motivo que parecer certo. Pode se apaixonar por causa de um sorriso torto, uma careta ou uma voz bonita. Também pode se apaixonar por algo que sequer pode se explicar.
O problema, me parece, não é (apenas) a dificuldade em lidar com rejeição: ser rejeitado é algo comum quando você se arrisca. O garoto da história não errou em ter tomado coragem para fazer sua declaração e rasgar seu peito com sentimentos lá enclausurados por muito tempo. O real perigo é acreditar que, só porque ele sente aquilo, a outra pessoa também precisa sentir. Quando o “não” vem, toda a sanidade parece ir embora, coberta em um véu de irracionalidade que pode levar a sérios problemas.
Pessoas não são robôs programados para corresponder a expectativas. Fosse assim, nasceríamos com um número de série, destinados a encontrar uma pessoa com as mesmas especificações técnicas – e a vida seria um porre. Não sabemos o que o outro quer até que ele o diga. Muitas vezes nem desconfiamos os motivos de nos relacionarmos com as pessoas da nossa vida. Enquanto alguns acham isso loucura, enxergo uma razão incontestável nesses acontecimentos: eles são, em parte, o que dá graça à vida.
Pessoas ferem e são feridas. Entram e saem de relacionamentos sem saber como ou por quais motivos aquilo havia começado (ou terminado).
Pode dar certo. Pode dar errado.
E quando dá errado, o outro lado também sofre: o dito garoto “colocado na friendzone” frustra-se porque a possibilidade de um relacionamento amoroso (que nunca existiu) acaba ali. A garota sofre pois sente-se enganada: durante anos ofereceu o amor de uma amiga, uma das coisas mais bonitas que alguém pode dar, para alguém que não desejava aquilo.
Mais: depois de tudo o que viveram, ela acaba levando uma culpa por não corresponder a algo que ela sequer sabia que existia. Tivesse ele jogado limpo e tudo seria mais fácil: ela não se sentiria traída. Ele não teria destruído uma amizade por imaturidade, insensatez e total falta de respeito. E os dois não teriam perdido todo esse tempo vivendo duas mentiras. É nessas situações, que podem parecer tão corriqueiras e comuns, que o machismo torna-se tão vívido e agressivo. Por crescerem acreditando que mulheres devem fazer suas vontades – ou qualquer coisa parecida com isso -, qualquer rejeição traz à tona uma violência desmedida e muitas vezes brutal.
É preciso ter cuidado com expectativas alimentadas em vão, com esperanças falsas. É necessário ter carinho com o outro – basicamente porque estamos todos no mesmo barco. Ele não tem nenhuma obrigação de fazer aquilo que você deseja – especialmente quando essa negativa parte de mulheres, questionadas por tudo: quem se relacionam, o tipo de música que escutam, o horário que voltam para a casa ou o comprimento de suas saias.
Viver, no fim das contas, é presenciar uma sequência interminável de acontecimentos (muitos deles incontroláveis) que podem ou não corresponder àquilo que esperávamos. O que importa, no final, é a maneira como lidamos com cada um deles. Fechar os olhos para isso é um dos piores tipos de egoísmo que uma pessoa pode expressar.