Todo mundo já teve (e se não teve, terá) uma paixão avassaladora. Aquela pessoa que aparece na sua vida e, de repente, parece ter sido feita para você. O ar fica rarefeito perto dela, é difícil pensar e, às vezes, formar uma frase completa parece uma tarefa exaustiva. É uma questão de tempo (pouco, em certas situações) para que tudo comece a girar em torno dela. Você começa a ouvir as mesmas bandas, assistir os mesmos filmes e frequentar os mesmos lugares.
Demora, mas vocês começam a namorar – e, sem aviso prévio, a felicidade imensurável que todo relacionamento traz vem acompanhada de uma carga gigantesca de insegurança: vai dar certo? Esse é o tipo de pergunta que, se repetida à exaustão, fabrica a própria resposta. Não, não vai dar certo.
E a culpa é sua.
Fomos ensinados, pela cultura pop – de Romeu e Julieta aos filmes românticos ruins dos anos 80 e 90 – que o amor só bate uma vez à nossa porta. Que ele acontece à primeira vista e precisa ser hiperbólico, exagerado, de tirar o fôlego. Mais que ilusão, é uma visão egoísta de amor: acreditar que certa pessoa nasceu para você é assumir um sentimento de posse, excluindo a individualidade alheia.
Essa verve de pensamentos fatalmente deságua em um rio de insegurança, obsessão e ciúmes. A dúvida da reciprocidade – saber se a outra pessoa sente “o mesmo”, como se fosse possível medir amor da mesma forma que medimos distâncias ou alturas – traz medo. Antes que seja possível perceber, o estrago está feito: na sua cabeça, a outra pessoa está errada. Com certeza não gosta tanto assim de você e, na verdade, deve fantasiar com os braços de outro alguém toda noite.
Não é exagero. Muitas pessoas perdem o sono imaginando situações desse tipo. Esses pensamentos (e esses sentimentos) são sorrateiros: com uma facilidade assustadora, conseguem tirar toda a calmaria que o amor de outrora havia trazido. Toda a paz que o sorriso da outra pessoa trazia para o peito vira aperto e ciúmes, imaginando se ela está sorrindo assim para outra pessoa – e, se isso não acontece, a insegurança bate à porta: “ela já sorriu assim para outros, antes de mim?”.
O que deveria ser leve fica pesado. O fácil torna-se difícil, o prazer torna-se dor. A pior parte, porém, sofre do outro lado: é ainda mais difícil entender o que está se passando quando nós somos o alvo da obsessão. Os ataques e acusações são repentinos e, ainda que a primeira reação seja relevar, deixar passar, chega uma hora que rotina nenhuma dá conta de aguentar isso. Não há paixão nem amor que resista.
Numa sociedade que glorifica o homem que transa com quem quiser – mas crucifica a mulher que é dona de seu corpo e de suas decisões, é ainda mais fácil encontrar esse tipo de relação. O homem cerca-se de preconceitos e falácias para acusar sua companheira e duvidar de sua fidelidade graças a coisas que ela, um dia, pode ter feito. Esquece, porém, que todos nós temos um passado – e que, diferente do conto de fadas, as pessoas não ficam escondidas do mundo até a hora de entrar em cena.
É normal sentir um pouco de ciúmes – a maioria das pessoas acredita que, em pequenas pitadas, é algo benéfico para um namoro – e ter insegurança de vez em quando é tão normal quanto ter preguiça de sair da cama às sete da manhã (desconfie de pessoas seguras demais e daquelas que amam acordar cedo). O problema é confundir paixão com obsessão e acabar com uma linda história de amor (da vida real, escrita com suor, companheirismo e confiança) antes mesmo dela chegar à página dois. Prender alguém é não ter ninguém, e é muito chato ler um livro com apenas um personagem – especialmente se for um protagonista ranzinza.