Ela sabia muito bem onde iria pisar quando conheceu você. Disse pra si mesma que tava tudo bem, que isso era normal, que todos os homens têm essa mania de transferir para as mulheres o papel de mãe. Era normal e ela achava fofo quando você bebia demais depois do jantar e pedia para que ela assumisse o volante, quando chegava na casa dela jogando tudo no chão e deixando a toalha molhada na cama, quando fazia aquelas coisas que o faziam parecer um meninão recém-saído de casa. Ela achava que aquilo traria o frescor que ela tanto precisava pra viver um novo relacionamento.
Ela não sabia – ninguém sabe. Mas era só o começo de uma daquelas jornadas de aspirina e café, de muita ponderação e paciência. Apesar dos teus vinte e tantos anos, ela se sentia cada vez mais sugada. Você era um ótimo profissional, respeitado, responsável, então por que ela se sentia como se fosse uma espécie de irmã mais velha, ou uma mãe cuidando de um menino imaturo e irresponsável?
É que alguns homens não entendem ainda, mas ela não quer viver a vida por você. Não quer tomar as rédeas da sua vida, nem substituir o papel de mãe. O sentido de cuidar, estar junto, se preocupar é diferente agora. Ela não vai estar disponível pra recolher as suas roupas sujas e te servir com um almoço quentinho na cama nem vai querer que você esteja em casa às 10h pra te lembrar de escovar os dentes e colocar os pijamas. Ela quer um cara crescidinho, que ande de boné ou de terno, isso não importa, importa é que você entenda que ela já cresceu e passou da fase de ter dependentes. Ela quer um homem, um companheiro, um cara legal com quem passar um tempo junto e se for dando certo, mais tempo ainda. Ela não quer um filho, não nesse sentido, porque já dá muito trabalho ter que cuidar dela mesma por enquanto.
E você transfere as responsabilidades pra ela e cobra como se fosse obrigação dela andar ali pertinho, no eixo da sua vida. Orbitando à vontade dela, você quer ser o centro das atenções e faz birra, bate crise, liga reclamando e bate o telefone exigindo coisas que você não exigiria nem da própria mãe. Em outras palavras, faltava só que ela tirasse as suas fraldas por baixo do terno e te levasse à creche. Porque tuas birras eram quase iguais as que o priminho mais novo dela faziam.
Eu sei que falo isso com deboche, mas o assunto é mais sério do que parece. Você e ela poderiam ter tido uma vida ótima, um caminho incrível e um tanto de coisas que eu, como espectador, não poderia premeditar. Mas você queria o mundo dela e não fazia nem metade do que pedia, do que exigia. Esse tipo de relação é parasita, vai machucando a gente e chega um momento em que ela diz pra você que não dá mais, que não quer ser sua mãe. Você não a entende, mas eu explico.
Você não sabia – ninguém sabe. Mas ela poderia ter sido ótima pra discutir sobre a sua posição econômica ou política, ou até mesmo pra falar sobre aquele show legal de rock que você teria curtido ir com ela. Apesar dos vinte e poucos anos dela, você não precisaria de muita aspirina, atenção e encheção de saco. E isso que era admirável, porque as mulheres dos dias de hoje não são mais as mesmas – graças a Deus. Ela poderia ter ficado contigo uma noite ou outra se batesse febre, e ficaria com todo o carinho do mundo, porque homem doente é mais dengoso do que criança de 5 anos. Você não. Mas ela sabia.