2014, planeta Terra. A água no sistema Cantareira tá quase acabando, Maluf tá quase fora das eleições por ser ficha-suja, eu tô quase deixando o cabelo crescer. Tudo passa, até uva passa. Tudo muda, até bermuda. Mas uma velha história se repete – mais uma vez. Depois de Carolina Dieckmann e Scarlett Johansson, agora foi a vez de Jennifer Lawrence, queridinha de Hollywood, ter tido sua privacidade invadida e seus registros de nudez lançados na web, pra qualquer punheteiro, de qualquer idade e parte do mundo, baixar e mandar pelo ralo alguns espermatozoides viris. Assim mesmo. A intimidade de uma mulher ao alcance de um clique e com um considerável agravante: contra a vontade dela.
Infelizmente, histórias como a de Lawrence acontecem com mais frequência do que a gente imagina. É a Fran, que protagonizou um dos mais polêmicos e covardes casos de revenge porn. É a Julia Rebecca, paraibana de 16 anos que cometeu suicídio após ter tido vídeos íntimos divulgados por Whatsapp. É a menina do segundo colegial, que teve que mudar de escola depois de ter fotos íntimas enviadas para o e-mail de toda a turma. E não importa se o responsável pela divulgação do material é ex-namorado, amante, one night stand ou simplesmente um hacker louco: compartilhamento de conteúdo íntimo, sem o consentimento de ambas as partes, é crime.
E a maioria das vítimas, sem surpresa nenhuma, é mais uma vez as mulheres. As flores que vieram ao mundo para enfeitá-lo com tanta beleza. A melhor criação de deus – afinal, os homens foram apenas um ensaio para a grande obra prima, né? O troféu que os homens adoram exibir no final da balada. As grandes vítimas do abuso sexual, que usam sainha porque querem que os homens, senhores da razão, lhes enfie a mão na bunda. As profissionais que ganham cerca de 30% a menos do que os homens e que só estão no escritório pra tornar o ambiente corporativo um pouquinho menos feio e entediante, né?
Os meros objetos sexuais. Porque é isso o que leva o agressor a compartilhar material íntimo de uma mulher na internet: o pensamento de que ela não é nada além de um corpo feito para saciar – mesmo que remota e solitariamente – o desejo da macharada. E aí o macho, como bom reprodutor e comedor de mulher, precisa fazer a preza com os amigos e atestar a sua masculinidade, compartilhando com todos os grupos de sacanagem do Whatsapp a primeira foto de peitinhos que lhe aparece na tela – afinal, tudo o que é bonito é pra se mostrar, não é mesmo? E quando o caso foge do controle e a exposição da vítima toma proporções que afetam a sua vida, a resposta está na ponta da língua dos machistas de plantão: se tirou foto pelada, deveria saber do risco que estava correndo. Ela procurou.
Não. Ninguém procurou nada – a não ser você, que procurou perpetrar um preconceito. Se ela tirou foto pelada para mandar para o peguete, só o fez porque confiou em alguém que não deveria confiar – lê-se um babaca. E se ela tirou foto pelada para guardar no computador, só o fez porque queria admirar o próprio corpo ou conhecer melhor a própria sexualidade. E não porque se sentiria honrada em ser a sua homenageada do dia. Muito menos porque é uma safada que queria que as imagens chegassem até o seu Whatsapp. Se ela quisesse, ela mesma teria enviado. Mas, dessa vez, você não foi o escolhido. Conviva com essa decepção, meu amigo.