Se ao amor coubesse apenas um conceito, sob o olhar ingênuo desta que vos fala, este não poderia ser outro: amar é estar a vontade. O amor não combina com formalidades, não se presta a roteiros, regimentos, etiquetas e não-me-toques. O amor mais genuíno – aquele que vivemos em tardes gostosas de domingo – só pode ser apreciado com um toque de liberdade. Um pouquinho de deixe estar.
É pena que alguns não saibam se deixar inventar pelo amor. E, no desespero de vivê-lo aos tropelos, o inventam. Conferem-no mil e uma regras, inventam anéis de compromisso, horários de chegada, beijinhos de conveniência, contratos escritos e exigências inúteis. E, dentre estas tantas exigências que só fazem o amor de verdade rolar de rir, talvez seja a mais patética esta incompreensível necessidade de tagarelices.
Em algum infeliz momento decidimos convencionar que tudo precisa ser dito no amor. É preciso dizer como foi nosso dia, o que pretendemos para o final de semana, como foi o nosso sono e quem era ao telefone. É preciso dizer eu te amo todo santo dia antes de dormir – mesmo que aquele amor esteja subentendido. Tornamos o amor uma enorme prestação de contas, um patético teatro formal de banalidades.
Não que os diálogos descaracterizem o amor. Não mesmo, aliás. Somos feitos de boas conversas. Cada palavra que proferimos ao outro é um presente, desde que flua naturalmente – e não nasça desta necessidade absolutamente descabida de quebrar até os silêncios mais necessários.
Na verdade, quando passamos a dividir com o outro a nossa vida, precisamos aceitá-lo em seus silêncios. Porque cada um de nós precisa de longos momentos de autocompanhia, de passeios despretensiosos por nós mesmos. E, sobretudo, porque explicar-se é cansativo. É tedioso. É incômodo, sobretudo, quando precisamos fazê-lo quase sempre àquele que não precisa de nossas palavras. Que nos conhece quando nos guardamos, quando estamos cansados demais pra contar nosso dia, confusos demais para explicar nosso mau-humor.
Sábios (e felizes) os casais que não trocam silêncios confortáveis por conversas desnecessárias, cotidianas, roteirizadas. Por que o amor de verdade decifra os silêncios. Transforma monossílabas em longas explicações. Sorrisos em declarações poéticas de amor. E, principalmente, por que o amor não nos deve explicações e não se submete às nossas formalidades – se assim fosse, lhes garanto, não seria amor. O amor é uma criatura desobediente, afinal.
Amar, portanto, não é dividir tudo, converter cada setimento em palavras pré-concebidas e exigidas ferrenhamente. Aceitar o silêncio do outro é uma espécie de presente para as verdadeiras relações – porque somos feitos, em boa parte, de nossos silêncios, e o mínimo que esperamos é que isto não nos seja tirado.
Por isso mesmo desconfio que, onde tudo precisa ser explicado, haja uma frustrante falta de amor. O silêncio, entre os amantes de verdade, os amantes tranquilos, seguros de seus sentimentos, é quase sempre confortável. Quem sabe cultivar o amor aprende, tão naturalmente quanto uma mãe aprende a amamentar seu filho, a respeitar os seus silêncios. E os silêncios do outro. Porque o amor é, também e principalmente, dividir silêncios.