Quando, depois de muito tempo, ela disse aquelas palavras, foi como se quebrasse alguma espécie de feitiço ou sortilégio lançado sobre ele por uma cigana, anão corcunda ou soldado coxo. Um renascimento. Tanto que, momentos depois de tê-las ouvido, ele assim definiu a sensação: um sopro de vida.
Muito tempo se passara desde que ele as ouvira pela última vez, as tais palavras. Tanto que ele já não se lembrava. E muito mais tempo ainda desde a primeira vez em que ela as havia pronunciado.
Não que as dissesse pouco, ou esparsamente. Ao contrário: ela as repetia a miúdo, como se ministrasse em pequenas doses diárias um remédio, e ele as aceitava tacitamente, como se tivesse qualquer coisa como uma vaga certeza de que, sem isso, morreria.
Um dia, ela deixou de dizer. Por cansaço ou saturação. Ou talvez por achar que as palavras não traduziam mais o que sentia, ou o que seria adequado sentir. Ele não reclamou, talvez porque já não se achasse merecedor das palavras, nem tinha certeza de que algum dia, de fato, as merecera. E foram tocando a vida nessa valsa.
Mas estavam ali, então, e se olhavam. Não através do outro, mas um para o outro, e se viam, e queriam ficar para sempre ali se olhando, procurando se entender, e já então não era uma valsa, mas um tango. Suas bocas se procuravam sofregamente. Ela explorava com a língua dela a língua dele, e enquanto o fazia, constatava que a parte de cima da língua é áspera, enquanto a de baixo é macia, lisa, e a língua dela dançava dentro da boca dele, se alternando entre a aspereza de cima e a maciez de baixo, enquanto sonhos ainda não sonhados passavam por sobre as suas cabeças como nuvens.
E foi então que ela disse. Disse por dizer, porque não dizer, naquele momento preciso, seria quase uma traição. Uma traição ao que estava sentindo, uma traição àquele preciso momento, que de tão enorme parecia exigir a solenidade de tais palavras, como se elas, as palavras, selassem um acordo implícito entre eles, o acordo de que, a partir daquele preciso momento, daquele momento preciso, os dois se precisariam, e se encontrariam nos sonhos ainda não sonhados que passavam como nuvens por sobre suas cabeças sonhadoras, e se encontrariam como se encontravam suas línguas sôfregas, e matariam ao outro a sede comum.
Ela abriu os olhos e, como quem prepara o impulso após considerar a altura e o risco, tomou dele uma certa distância, e se lançou num salto sem rede e sem volta. Abriu a boca, e libertou as palavras.
– Eu te amo.
*o título do post faz referência à música “Preciso dizer que eu te amo”, do Cazuza.