Estou indo a Paris no final do mês e um dos meus planos, era levar um cadeado para “selar” o meu amor. Trata-se de um costume que se propagou rapidamente: milhares de turistas do mundo todo colocam cadeados na Pont des Arts para simbolizar o seu amor. Descobri, no entanto, que a prefeitura vem tentando reprimir o costume, e não por falta de romantismo: os cadeados, além de lesarem o patrimônio público de uma cidade que realmente zela pelos seus monumentos, implicam danos maiores: a ponte não suporta o peso de tanto amor e sua estrutura está cedendo.
Desisti do meu romântico intuito. Os argumentos são plenamente justificáveis. Por isso, e também porque acabei refletindo sobre o conceito por trás do gesto e encontrei outra justificativa, menos arquitetônica, mais simbólica, menos relacionada à preservação da paisagem urbana, mais relacionada ao próprio conceito (o meu, pelo menos), de amor.
Cadeados são objetos feitos para prender, e o amor, em sua essência, nasce livre, e só se desenvolve plenamente em liberdade. E, acreditem em mim, só presta se for desse jeito.
Um amor aprisionado, confinado, enredado em sua própria teia é pássaro que não canta nem encanta. Fica triste, amuado, macambúzio. Bonito mesmo é pássaro que vem cantar todos os dias na sua janela simplesmente porque é nela que escolheu fazer seu pouso, e não na do vizinho. Porque dentre todas as milhares de janelas que há no mundo, foi a sua que o atraiu. Ele é livre para voar a hora que quiser, mas não quer, porque você o prendeu com laços invisíveis e inquebrantáveis, nessa dulcíssima prisão sem grades que é o amor nascido do simples desejo de ficar, de atar a sua vida à de outro ser humano.
Um cadeado jamais irá simbolizar o meu amor, porque ele é livre para partir quando quiser. Da minha parte, o que posso fazer é fazer de tudo o que estiver ao meu alcance para que não queira. E, se tendo a liberdade de ir cantar em outras freguesias, ele escolheu cantar pra mim, e só pra mim, essa escolha só me faz engrandecer: ele poderia estar com qualquer outra pessoa, mas escolheu estar comigo.
Porque, tendo todos os motivos do mundo para partir, e tendo um mundo inteiro para explorar, ele escolhe ficar e enfrentar comigo as adversidades e segurar a barra que é gostar de alguém tão difícil, tão cheio de imperfeições como eu. O que faz de mim um ser muito, muito especial. E, se eu o escolhi para fazer meu ninho, mesmo sendo ele alguém tão difícil, tão cheio de imperfeições, mesmo tendo o mundo todo e, além do mundo, Paris para explorar, bem, isso faz dele alguém muito, muito especial. Prova de amor maior não há.
Claro que aceitar a liberdade do outro demanda muita confiança. Difícil em tempos de facebook, instagram, whatsapp e outros mecanismos que facilitaram a aproximação (e a traição) entre as pessoas. Tenho uma amiga muito querida (e muito invocada) que vira e mexe questiona o marido: “Curtiu por quê? Tá querendo o quê?”. Mas aprender a confiar e a ser digno da confiança do outro é também um exercício diário de amar. Confiar: verbo transitivo, do latim “con fides”, com fé: certeza de que, sejam quais forem as circunstâncias, o outro não vai te sacanear.
O meu amor me tira o ar, mas não me sufoca. Me envolve gentilmente em seus braços, mas não me prende. E está todo o tempo comigo, mesmo quando não está. Porque, quando não estamos juntos, ainda estamos um no outro.
Paris é e sempre será a cidade do amor. Mas é também a cidade da liberdade. Basta lembrar o lema da Revolução Francesa: liberté, fraternité, egalité. O amor tem que ser livre, companheiro e igual. Porque só em liberdade, companheirismo e em pé de igualdade, podemos viver o amor em toda a sua plenitude.
Esses franceses sabem mesmo das coisas.
Cadeado, só na minha mala.
À bientôt, mes amis.