Toda criança passa por aquele fatídico momento da vida no qual é preciso abrir mão das “rodinhas” e começar a encarar a bicicleta como ela realmente é: um brinquedo de duas rodas, instável e sem apoios, que demanda mais equilíbrio do que os poucos anos de idade podem proporcionar.
É aí que começa a saga do cai e levanta. Você rala o joelho, quebra o braço, a abandona por algumas semanas e assim que se recupera, retoma as tentativas de aprendizado, porque sabe que os machucados uma hora saram e que uma volta gloriosa pelo quarteirão, compensa até a dor do Merthiolate.
Quando crescemos e o que temos que encarar é a vida, as coisas ficam mais difíceis. Levantar após um tombo daqueles demanda certo tempo, assim como as feridas, principalmente as mais profundas, não cicatrizam mais com tanta facilidade.
O problema é que a dor passa de instrumento de motivação para justificativa de covardia. As tentativas diminuem gradativamente após cada queda, até o momento em que você passa a acreditar que a volta no quarteirão simplesmente não vale mais a pena, mesmo que dessa vez ela seja do tipo que se dá com os pés no chão e de mãos dadas.
Passamos a nos poupar das situações que podem ser dolorosas em algum momento, sem nos darmos conta de que essa economia de nós mesmos torna a vida apenas uma sobrevida.
E que graça tem viver anos a fio, sem poder andar de bicicleta, por não ter tido determinação e coragem o suficiente para aprender? Ou melhor, que graça tem uma vida cheia de segurança, mas vazia de amor? Que histórias você vai contar? Quais cicatrizes irá mostrar para os seus netos, se viver se poupando dos tombos? Como vai saber se algo vale ou não a pena, se não se der ao menos uma chance de tentar?
Sabe aquela velha frase do Lulu sobre “se permitir”? Pois é sobre ela que sugiro que reflita e se motive a trazer a tona sua criança interior. Aquela cheia de coragem e que não se intimidava com as consequências do caminho, se o prazer a ser alcançado fosse maior. Porque enquanto crianças, somos destemidos e dispostos a sair por aí arriscando, despidos de medos e pudores. Mas conforme envelhecemos, nossos medos se tornam nossa sombra, nos impedindo de enxergar que só pode amar de novo, aquele que não ansiar pelo amanhã.
Por isso, tente deixar os temores em casa, equilibre-se e persista no que pode te fazer realmente feliz. Não há nenhum risco de morrer de amor ou por falta dele e disso você sabe, afinal, quantas vezes não achou que isso aconteceria e saiu vivo? Todo relacionamento tem apenas duas possibilidades: acabar ou durar para sempre, e as duas são igualmente assustadoras, a meu ver. Mas mais assustador ainda é não lhe dar a oportunidade de ser o que foi destinada a, por medo de tentar de novo e assim, desperdiçar a vida dia após dia.
E vida desperdiçada meu amigo, não há Merthiolate que cure.