Estava com cara de dia comum, do tipo que eu não colocaria em minha biografia nem para encher linguiça: despertador fazendo filhadaputice logo cedo, manteiga com pão, café bem negão para dar ignição nos neurônios, trânsito caótico que sempre me faz sonhar com jabuticabeiras e urros de um chefe que, de acordo com as línguas peçonhentas e sem papas dos meus colegas de trampo, só dorme de calça jeans e com a cueca escondida entre as nádegas.
Eu não estava de blazer descolado, sapato recém-engraxado ou dentro de uma beca invocada. Muito longe disso, na real! Estava de tênis e calça jeans, como me visto nos dias em que acordo sem esperança de dominar o mundo, ou seja, em 98% deles. Como estava a minha barba? Despreparada para o tapete vermelho, no mínimo; apesar dos meses sem fazê-la, em vez de “lenhador” ou “viking” – como eu almejava, confesso -, chamavam-me, apenas, de “carroceiro” ou “terrorista”. Resumindo: aquele parecia ser só mais um dia repleto de banalidades e acontecimentos incapazes de mudar o rumo da minha história. “Parecia”, apenas, porque uma coxinha mudou tudo, ou melhor, aproximou-me da mulher que mudou, entre outras coisas, o meu modo de dirigir, o sorriso que dou quando falo de amor e a enorme fé que tenho no poder sonífero do cafuné.
“Vou comer uma coxinha na padoca, alguém tá a fim?”, perguntei ao pessoal do escritório em que trabalhava. E, depois de um eufórico “Se tiver pão de queijo recheado eu vou querer!”, eu saí, ainda sem saber que em meio a sonhos recheados de colesterol eu encontraria a mulher com quem eu ainda sonho, mesmo nos dias em que dormimos juntos, de pernas entrelaçadas e braços dormentes.
“A senhora vai querer a normal ou a com Catupiry?”, o atendente perguntou à bonitona que estava à minha frente, dentro de um vestido com estampas de bigode e vestindo uma meia-calça escura o bastante para levar-me a uma dúvida gostosa: “Ela tem uma tattoo de lacinho ou de caveira na panturrilha?”.
“Uma normal, por favor.”, ela respondeu ao atendente.
Não aguentei, intrometi-me:
“Não confio em gente que não opta pela coxinha com catupa!”.
Ela riu, e, no rosto dela, uma covinha brotou para balear, de vez, o meu coração.
Ela estava sozinha na padaria e solteira na vida. Eu também. Convidei-a para sentar comigo, junto a sachês de Ketchup e a um cardápio ensebado por outros dedos. Ela aceitou. Aceitou, também, o jantar que propus depois que conversamos um bocado sobre arroz doce de vó e outras drogas lícitas nas quais somos viciados. Aceitou com os dentes à mostra e, antes de sumir junto ao Bloco dos Pedestres Apressados de São Paulo, disse: “Eu gostei de você, cara!”. Eu também, respondi, já sentindo os primeiros sintomas avassaladores da paixão e ainda sem noção do quanto aquele dia – ou aquela coxinha, caso você seja do tipo que se apega a mínimos detalhes – mudaria o rumo da minha existência.
Aliás, gostaria de aproveitar o momento nostálgico para lhe dar alguns conselhos, posso? Se você ainda não crê nas maravilhosas e completamente imprevisíveis surpresas do acaso, sugiro que reveja, com urgência, os seus conceitos. Aconselho, também e pelo seu bem, que pare de achar que o homem da sua vida – ou aquele que lhe fará feliz por uma noite, o que já é bem divertido, convenhamos – mandará um aviso prévio antes de aparecer, montado em um cavalo branco e portando caixas de Nutella e um estoque de bacon. Pois isso não vai rolar, já aviso.
E digo mais: acreditar no “Hoje você encontrará o amor da sua vida!” comumente dito pelo horóscopo do jornal é tão bizarro quanto crer na veracidade do Teste de Fidelidade ou em quadrilhas de gnomos especializadas em roubos de isqueiros. Falo sério. Por mais que você queira – mais do que quer uma lasanha agora, que eu tô ligado! -, não dá para saber quando, como e onde rolará um esbarrão que causará um verdadeiro terremoto em seu coração. E mesmo que você tome atitudes (sair de casa, utilizar aplicativos de encontros, aceitar que amigas lhe apresentem amigos de rolos, ir a baladas etc.) que aumentam a chance de um encontro transformador acontecer, não há garantia alguma de que acontecerá; muito menos de que rolará num dia em que você estará minimante preparada para isso. Aliás, não sei se por causa do Murphy ou se devido a outro mistério que o Discovery Channel ainda não me explicou, mas tudo indica que trombadas apaixonantes tendem a acontecer quando estamos com o zíper da calça aberto, com uma rúcula imensa grudada no dente da frente, vestindo aquela roupa íntima que já deveríamos ter jogado no lixo, dentro daquele traje de mendigo que costumamos colocar só para buscar a pizza na portaria ou num daqueles dias em que inventamos de testar desodorantes que prometem proteção 48 horas, mas que, fora dos comerciais, nos deixam na mão em 48 minutos.
Agora é o momento que eu termino o texto com uma frase de efeito, levemente engraçada e com quem quê de mistério, metade Mestre dos Magos, metade Didi Mocó… Mas qual? Já sei: Num dia você acorda com sede e, quando está quase na cozinha, pisa em uma peça de Lego; no outro, você só pede uma coxinha e uma Coca numa ao atendente da padaria, mas, quando nota, além de calorias e de peso na consciência, percebe que recebeu mais duas coisas: uma paixão do tipo embriagante que faz com você publique fofurices em sua timeline, declarações até mais melosas do que aquelas que hoje você chama de “bregas”; e um ótimo motivo para acreditar que a grande graça da vida é não saber o que virá depois do capítulo que estamos vivendo agora.