Explodiu uma frustração em gritos. Os olhares enraivecidos, as lágrimas engolidas secas, a tristeza aprisionada em arritmias severas avisava: limites importantes haviam sido ultrapassados. Não sabiam bem de que parte daquela tempestade havia sido disparado o tiro, mas os danos eram evidentes e a dor já calejada enfraquecia cada dia mais um pouquinho daquela relação. Não conseguiam verbalizar os descontentamentos em palavras, apenas xingavam, gritavam, agrediam com exclamações o que invariavelmente poderia ter sido dito sem alardes e com delicadeza. O mal do amor é a euforia da certeza.
Muitas vezes não é o conteúdo do que a gente fala, mas sim a maneira como aquilo que estamos sentindo toma forma da boca para fora. E o problema de se deixar levar por uma discussão assim, pouco eloquente, é que a situação toda se torna uma bola de neve, que só termina de descer a ladeira ao se desestruturar completamente ao dar de cara com um muro. A sua elevação de tom estimula o descontrole do outro, que leva a exacerbação dos sentidos de ambos, que te faz remoer aquela história de 10 anos atrás quando você nem conhecia o cara e, quando menos se espera, uma conversa mínima toma proporções assustadoras.
Quantas vezes a gente não começa debatendo sobre o lixo que não foi colocado para fora e termina falando daquela vez que você pegou uma mensagem da Claudinha no telefone dele. Isso tudo porque quando a gente discute com alguém, salvo algumas exceções, estamos “sempre certos”. A vontade de estar sempre por cima, de ganhar todas as rodadas, de suprir o ego com um milhão de vantagens cria uma cegueira inconsciente. Como quem não está acostumado a se perder na escuridão a gente extrapola ao menor sinal de fracasso na batalha. Ou seja, quando tentar convencer o outro do nosso ponto de vista falha, retrocede-se para o comportamento infantil de “quem fala mais alto, vence a brincadeira”.
Se todo mundo soubesse o estrago que uma palavra mal dita pode fazer, quase 100% das discussões poderiam ser evitadas. Ainda mais com que é tão próximo e caro à vivência da gente. Saber expressar sem agredir, sem cutucar, sem dilacerar as mágoas e cicatrizes do outro deveriam ser regras supremas em qualquer relação. Se perde a razão, a guerra, a compostura, o respeito pela travessia do nosso parceiro (a) no momento em que se perde o discernimento entre aquilo que o outro é capaz de absorver naquela hora e o que é de fato necessário ser dito naquela ocasião. Aprender a verbalizar é uma virtude, aprender a silenciar é outra maior ainda.
Discutir por qualquer coisinha e dilacerar o respeito fundamental em qualquer relacionamento é justamente o que destrói o sentimento. Quando a gente pára aquele segundo crucial antes de esbravejar, de revirar um baú de passados, de deixar a raiva tomar conta de todo o processo, e respira bem fundo, daqueles suspiros revigorantes que abrem todas as janelas da sanidade da gente, é bem aí que, mesmo sem perceber, se salva um amor. É tão mais bonito quando duas pessoas que se gostam sabem conduzir uma conversa madura e, como tudo nessa vida, se comunicar bem também é uma questão de hábitos.
Não forçar a barra quando a “certeza” do outro bloqueia por completo a absorção de qualquer conceito que venha de fora, tomar uma água, um café, um minuto, ao menor indício de exaltação, e aceitar sim, que inúmeras vezes a gente vai perder o argumento. Seja por estar mesmo errado, seja para apaziguar a situação, o que também faz parte da boa convivência. Ganha nessa vida quem não tem medo da derrota, perde quem está sempre certo, quem fala mais alto e sai da linha primeiro. A raiva, a consternação, o desgosto, podem até encher de espinhos todas as rosas que a gente cultiva ao longo do caminho. Da boca para fora, independente da atitude do outro, que sejamos apenas o perfume de quem se deu ao trabalho de espalhar essências pela agressividade de alguém. Segurar a palavra pela mão antes que ela atinja certeira e irremediável o seu alvo diz muito sobre o seu relacionamento. Degustar a intenção do sentimento antes de verbalizar a frase solta diz absolutamente tudo sobre você. Jardim nasce até em concreto, imagina o que uma boa dose de amor faz com o bom senso?!