Você conhece alguém e adiciona no Facebook. É este o primeiro passo para a relação com deadline.
A conversa é interessante e flui bem. Cada um despeja no outro um monte de informações importantes para o currículo amoroso. O assunto pode ir de artes à política, de música a viagens.
E entre playlists e listas de filmes favoritos, cada um se torna para o outro a pessoa certa na hora certa.
Não existe defeito, mau gosto ou relacionamento fracassado no currículo do amor. Um fumante só “fuma às vezes, quando bebe”. Aquele filme ruim do qual as falas foram decoradas, é “apenas um filme que passa sempre na TV e que costuma dar sono”.
Os encontros começam e o esforço para agradar continua. Roupa e lugar escolhidos meticulosamente para agradar o outro.
O sexo vira a prova final da perfeição. Mostras de flexibilidade e potência, arranhões nas costas, calor, preliminares longas. Ele quer mostrar o quanto está disposto a ser o melhor. Ela quer que ele veja que além de saber cozinhar como ninguém, ainda arrasa na cama.
Tudo bem calculado. Sem direito a dormir encostado ou ao carinho pseudo-obrigatório do final.
Nos dias seguintes a enxurrada de mensagens e a sensação de dever cumprido. Não há cobranças, não há problemas… Nem emoção, sentimentos declarados ou qualquer sensação deliciosa e inerente a uma relação verdadeira.
Até um dos dois se envolver. Mas se envolver hoje em dia se tornou o oitavo pecado capital. Tem gente que prefere arrancar um dedo a se envolver. Se envolver com uma metade. Com um mashup de músicas exclusivamente boas e filmes cults.
É proibido querer, é proibido sentir. Não importa o quanto você quer ver, jamais convide. Quer falar? Não ligue. Quer amar? Deixa para a próxima.
O eterno jogo de merda que cansa a alma e o coração. Que endurece, traz dúvida, enche a cabeça de um nada que não te deixa pensar em outra coisa.
Antes de falar qualquer coisa, pense na opinião do outro, se coloque no lugar dele. Passe os próximos dias apavorado com a idéia de que a mensagem de “vamos nos ver hoje?” deixou claro que você é o lado fraco e que perdeu o jogo.
Game over! Hora de escolher a próxima meia pessoa, para os próximos três meses de meias palavras.
O “eu te ligo” já virou “não vou te ligar” e o “a gente marca” apareceu na última conversa. Se na despedida rolou um “a gente se fala” significa que a hora de desistir nunca esteve tão próxima. A verdade está aí, leia nas entrelinhas ou morra enforcado por elas.
E a vontade? E o querer insuportável? E o coração gritando de ódio e indiferença? Fica para a próxima.
Move on. A amizade no Facebook continua e os encontros casuais também. Agora já se pode até curtir a foto da balada de sexta-feira, sem parecer que está afim.
Nos tiraram o direito de ser. De sermos nós mesmos e de sermos felizes assim.
Nos tiraram o direito de não ser. De não sermos vazios, de não sermos mais capazes de caber em nós mesmos.
Nesse mundo onde quem gosta é burro, quem quer é fraco e quem ama é digno de pena. Onde a espontaneidade e a intensidade deram lugar a um manual de boas maneiras do gostar pela metade. Só nos resta rezar para não sermos sempre o lado mais fraco.
O problema é que ter fé também já está fora de moda.