Como todo ser vivente capaz de sentir, eu me apaixonei. Daquelas paixões sem pé nem cabeça que tiram a gente do chão e nos tornam pateticamente vulneráveis, daquelas que a gente só confessa pro próprio travesseiro. Bem, eu não entendi muito essa regra. Confessei pra uma amiga daquelas descoladas, insanas, desapegadas:
‘Quando eu penso nele eu fico meio esquisita. Parece que o mundo todo faz mais sentido.’
Ai, meu deus, você tá apaixonada. Eu sei que você foi lá só pra vê-lo. Que cilada.
Cilada? Como assim, gente?
Eu descobri um sentimento que faz com que absolutamente tudo pareça maravilhoso nesse mundo em que as coisas começam e terminam num clique. Na famigerada geração das relações líquidas, eu consegui um pouco de solidez. Por que cargas d’água isso seria uma cilada? Os sentimentos reais são um privilégio.
Fico extasiada como, na geração da intensidade, dos alucinógenos mais potentes e das raves mais insanas, ainda seja moda a ausência do sentir. Existe coisa mais sem graça do que não reagir aos estímulos dos próprios hormônios? – ou das próprias fantasias, do próprio coração, do que quer que seja, enfim.
Vivemos a época em que o ego vale mais que o prazer. Então, permanecer em uma posição teoricamente privilegiada de não sentir, não sofrer e não se importar vale mais do que viver a delícia de se apaixonar e se entregar como sempre foi, como tem que ser, como o amor, desde que me conheço por gente, quis que fosse.
É bacana dizer ‘eu me apaixonei, espero que saia no banho’, porque isso nos coloca, em tese, acima dos sentimentos e, sobretudo, acima da vulnerabilidade a que eles nos expõem. Continuamos donos de nós, e, para uma geração de selfies e likes e bebidas que piscam, isso é mais importante do que absolutamente qualquer coisa. Inclusive do que saber sentir.
Apenas me parece incompreensível que uma geração tão intensa consiga abrir mão – em nome do ego absoluto – da sensação mais alucinante de todas que é sentir com verdade, com entrega, quase como uma embriaguez. A gente desaprendeu a se apaixonar porque é mais ~descolado~. Mas tem coisa mais descolada do que poder sentir intensamente qualquer coisa que seja?