“O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade?”, cantava o Alexandre Pires no palco do Domingo Legal, numa época em que as moças da minha escola usavam Keds, gargantilha e ICQ. Mas eu não entendia o que ele queria dizer. Na real, era mais do que incompreensão: eu o achava burro por não saber o que fazer com algo tão gostoso. “Como é que alguém pode não saber como usar a liberdade?”, eu me perguntava. E por falta de respostas e excesso de hormônios, limitava-me a torcer para que a minha mãe não voltasse pra casa na hora da Banheira do Gugu, afinal, naquela fase da vida, bem mais importante do que compreender os sentimentos era não ser pego de calça arriada enquanto moças curvilíneas, em vez de sabonetes, seguravam “tchans”.
Acontece que a Banheira do Gugu acabou (Ou ela voltou junto com o Molejo?). Tanto faz. Porque a minha adolescência passou, meus hormônios deram uma acalmada, aprendi a beber com moderação e, finalmente, consegui compreender o sentimento que deu origem à letra do Só pra Contrariar. Como consegui? Tomando bicudas na bunda, oras! Ouvindo teasers que já contêm o fim da história, como: “Precisamos conversar!” Escutando afirmações que começam com carinhos estrategicamente convocados para nos preparar para um coice direto no coração, do tipo: “Você é muito bacana, carinhoso, compreensivo, mas eu não tô legal. Acho que seria melhor se…” Como mais se aprende algo a respeito do amor, esse troço que ora é vale-deprê e, na hora seguinte, ajuda mais do que Prozac? Mas não vamos perder o fio da meada, certo? Quero contar como foi que entendi a letra do Só pra Contrariar: rolou no dia em que eu, diante das infinitas possibilidades de uma solteirice iniciada a contragosto, flagrei-me tentando dar um fim nessa liberdade recém-alcançada.
Disseram-me: “Agora você está livre, Ricardo. Free pra fazer o que bem quiser! Não precisa mais fazer ligações só para dar satisfação, pode experimentar várias bocas e, por sorte, poderá ir conosco para a Suécia, já que ainda tem uma vaga em nosso quarto. Que tal uma porção de mamilos rosados? Ouvi dizer que eles não têm contraindicação e que caem muito bem com vodca.” Mas eu, honestamente, não estava nem aí pro tanto que estava disponível. Não mesmo. Pois só queria a moça que, abruptamente, mudou – pra indisponível – o status do coração – e do MSN. Eu não estava a fim de várias bocas. Nem mesmo do bocão da Jolie, acredite se quiser. Eu queria, somente, a boca que um dia havia me dito que, para sempre, seria minha – só minha, de mais ninguém. Eu não queria mamilos rosados com ascendência nórdica. Eu queria os marrons e tupiniquins que, em uma praia (quase) deserta, sem qualquer pudor, entregaram-se aos meus lábios. Tá me acompanhando? Eu tinha liberdade, mas, para mim, naquele instante, parecia não passar de uma liberdade de tolo, de ouro de mentirinha. Pois apesar de estar livre pra me lambuzar em orgias, dormir fora de casa sem dar satisfação e deixar scrap-xavecos no Orkut de alguém, meu coração estava preso sem direito a fiança – e aquilo parecia ser prisão perpétua.
Foi aí que entendi, tim-tim por tim-tim, o que cantava o mano Pires. Naquela letra, que parecia não passar de um hit de churrasco, havia uma verdade universal. Algo bem mais belo do que canta o Belo. Verdade que, para muitos, ainda deve estar à paisana, disfarçada de pagodão meloso. Qual? Aí vai: só é verdadeiramente livre aquele que está com o coração – e a mente – livre. O resto é liberdade física, apenas. Sacaram? Um fim de tarde – aproveitando o exemplo dado na música -, àqueles que estão com o coração engaiolado por um desejo específico – e inatingível -, pode parecer sem graça alguma, pois lhes falta a única coisa aparentemente capaz de matar a fome que têm no coração, órgão à beira da inanição emocional.
Às vezes, tudo o que queremos é estar presos. Não no Carandiru ou a um armlock da Ronda Rousey, não. Presos a um abraço sem hora pra acabar. Presos a uma conchinha que, de tão boa, nos faz aguentar a dor na bexiga e a necessidade de esvaziá-la. Presos a um cafuné que nos torna displicentes a ponto de deixarmos o trabalho pra depois do almoço. Enfim, presos a um amor verdadeiro, que apesar de fazer com que tenhamos que abrir mão de certas “liberdades”, nos mostra que não há nada melhor do que estar com alguém com quem podemos ser livres, de verdade. Livres para ser o que somos, com nossas dobras, toques e chulés. Livres pra endoidar de amor, o bastante para achar que vale a pena voltar, todos os dias, pra mesma casa, pro mesmo colo, pra mesma vontade de manter um laço atado até nosso último passo.
Obs: se você nasceu em meados da década de noventa e, por isso, ainda não conhece a música Essa Tal Liberdade, do SPC, sugiro que de um pause – se possível eterno! – na Banda Fly e que ouça a versão dessa música que tem a participação do pai do Fiuk. É cafona? Pode até ser. Mas dá uma dorzinha gostosa no coração. E vai muito bem com pinga. Se prestar atenção, caro pimpolho, descobrirá que há muita sabedoria fora dos livros do Nietzsche.