O nome da menina acuada era Mariana. O desafio: o tempo. Sem saber muito bem o que fazer com o descaso, o abandono, a falta de zelo, ela tenta hoje recuperar os resquícios de vida, de saudade, de histórias, o pouco do lar que se conhecia que por um deslize ficou para trás. Mariana segue sozinha segurando a sua bagagem pesada de dor, sofrimento, desesperança, e amadureceu na marra a inocência bruta que carregava no olhar. Mariana é de Minas, é chão infértil, coração despedaçado, abraço sem abrigo. É uma menina perdida no tempo. E o tempo, se perdeu na curva do rio.
O destino tão sonhado por Mariana imigrante de si era cruzar todas as fronteiras. Almejava as cores, a alegria das noites nos restaurantes dançantes, deixava transparecer nos olhos o romantismo de quem acredita que existe um lugar chamado paz lá do lado de fora. O mundo chamava por Mariana como um beijo espera ansioso os lábios para o tato. Mas o sussurro se calou. As luzes se apagaram, acabou a cerveja da festa, não vai mais ter bolo. Nem Mariana viajante, nem sorrisos, nem show de fogos ao pé das estrelas. O romance foi desfeito pelas mãos do homem e me pergunto: quem somos nós para confrontar o amor?
Somos seres que perderam a compaixão, o espírito de comunidade, o afeto pelo outro. O mundo ficou ainda mais egoísta, incrédulo, desfeito. Uma sociedade como o próprio nome indica não existe mais. Hoje vivemos atrelados ao medo de sair na rua, de andar de ônibus, de conversar com o cara da fila do pão. Somos estátuas vivas que reviram os olhos em busca de um pouco de conforto no meio dessa loucura doente. Acompanhamos todos os desastres humanitários, ambientais e sociais que acometeram o mundo neste último ano. Famílias foram negligenciadas, ecossistemas devastados, perdas emocionais irreparáveis deixaram lágrimas onde deveriam existir apenas sorrisos. O amor perdeu a sua voz. E quem vai devolver o grito ao amor?
Mariana, Paris, Líbano, Síria, Japão e tantos outros conflitos que pedem apenas um pouco mais de calma, alma, de fraternidade, estão bem aí, esfregando na nossa cara que a vida como a gente a conhece não existe mais. É preciso respirar bem fundo, é preciso reagir, é preciso mudar enquanto se relacionar ainda tem algum sentido. Porque a tendência é o olhar sobre o próprio umbigo se sobressair tanto, que em algum momento não fará mais sentido estender a mão para o lado e percorrer os caminhos na companhia de alguém. Estar só será a única, completa e irresoluta opção.
Nem preciso dizer que começa da gente, dentro da nossa casa, no trabalho, na rua, na academia, onde quer que a rotina exija da gente compreensão com a travessia do outro. Será preciso muito mais do que coragem para reviver o amor nesse mundo, se fará necessário quebrar barreiras talvez nunca antes transpostas. O ideal é começar “pequeno” mesmo para que a metamorfose seja natural e não meramente momentânea. Cedendo o lugar para o idoso, praticando a gentileza no trânsito, oferecendo um auxílio para alguém necessitado, se engajando em alguma ação social, as possibilidades são inúmeras.
Já Mariana endureceu tanto de barro, lama, rejeitos e indiferença, que deixou de ser uma menina movida por sonhos para se tornar uma estatística. Uma desoladora, inconsequente e infeliz estatística. Assim como tantas outras que passam rotineiramente na mídia e vêm espalhando pelos quatro cantos do planeta os refugiados do medo. Não sei vocês, mas eu me comovi. Eu quero que não existam mais motivos para se fugir. Eu quero amor. Paz, união entre os povos, esperança de um amanhã cheio de sorrisos. Não há mais espaço para tanta intolerância.
Então toma Mariana, aceita essa flor de amor. Vai que ela desabrocha nesse terreno vazio e vira sol. Por aqui ainda chove, mas com uma flor de cada um logo, logo você tem um lindo jardim. De uma coisa eu sei, barragem nenhuma destrói sentimento plantado pela raiz e não existe nada mais forte nessa vida do que uma terra arada a várias mãos. Não desiste mundo, o reforço está chegando. Vamos?