Seu melhor amigo tem razão, eu só quero te comer.
No sentido mais antropofágico possível.
Quero te comer por dentro, antes de carne, naquele compartimento em que ficam guardados todos os milímetros pessoalíssimos que nos tornam mais ou menos originais.
Quero conhecer todas as suas caras, quero saber em que ângulo você levanta o braço para chamar o garçom e qual dos seus sorrisos você dirige à atendente de supermercado.
Eu quero saber o que você pensa sobre a vida, sobre a morte, sobre o amor, sobre a arte, sobre o sistema solar e sobre a atual conjuntura política. Eu quero conhecer a sua caligrafia e os seus apelidos de infância.
Eu quero visitar todas as suas manias e seus hábitos mais banais. O quão forte você gosta de café e o quanto demora para escolher uma roupa pela manhã?
Eu quero que você me fale trivialidades, como se eu não estivesse prestando atenção, até que só te reste o mais intrínseco do que você mesmo escolheu ser, até que não sobre nenhuma timidez e nenhum disfarce que me separe do que você tem por dentro.
Eu quero ver como se movem os seus olhos quando você assiste a um show fantástico. Quero sentir a energia que emana do seu corpo quando você atinge o êxtasy da felicidade.
E quero, com a mesma ânsia, sentir as suas mãos quando os seus dias forem difíceis. Quero ver a poesia de alguém que sente tudo tão intensamente, quero bebê-la até sentí-la se misturando com qualquer parte de mim.
Que cara você faz naqueles três segundos imadiatamente seguintes a um gole de chá e imadiatamente anteriores a uma frase qualquer sobre o tempo ou sobre a coluna do seu colega de trabalho num jornal chinfrim?
Com que expressão você abre os olhos pela manhã? Você põe as mãos no bolso e olha para o chão quando está desconcertado, ou é um pouco menos comum do que isso?
Divide comigo aquelas músicas que você adora mas escuta escondido porque tem vergonha. Pode fazer aquela crítica sobre o filme que você viu na última sessão, que você não teve coragem de comentar com ninguém porque todos adoraram o filme e você detesta ser chato.
Eu quero mergulhar no universo que você criou – embora ele seja mesmo particular demais pra isso – como aquele repórter chato que adora entrevistas intimistas.
A carne tem gosto de aperitivo. Eu quero te comer a alma.