“Com quem você foi?”, perguntam-me direto. E após minha resposta mais comum – “sozinho” -, olham-me com pena, como se eu fosse um vira-lata faminto e esquecido num sereno invernal. Mas eu não sou, viu? Que fique bem claro! E vou além: quando saio só comigo, e só assim, é que eu realmente consigo organizar meus pensamentos embaralhados.
Quando percorro a Avenida Paulista de cabo a rabo – até a Consolação -, sem pressa e aparentando estar perdido àqueles que não entendem a diferença entre liberdade e solidão, é que eu me encontro. Caminhando entre desconhecidos que não estão nem aí para mim – porque andam mergulhados em retângulos luminosos – eu consigo estabelecer uma conexão comigo, finalmente; dialogo com partes do meu eu que ignoro enquanto estou em meio a outras pessoas ou demasiadamente ocupado com tarefas que, um dia, com sorte e muita experiência, eu considerarei supérfluas.
Neste mundo cada vez mais difícil de acompanhar e que vive a fabricar ansiosos à beira de um colapso, valorizo os dias que consigo passar só comigo, nos quais consigo ser “rebelde” a ponto de só ter hora para meus desejos e ignorar, sem qualquer peso na cuca, todo tipo de mensagem que não nasce do meu interior. Acordo quando o sono finda, coloco o celular no modo avião e me pergunto: o que você está a fim de fazer hoje, Ricardo? Daí, geralmente, preparo café da manhã para um, caprichado como num hotel cinco estrelas, e enquanto saboreio ovos mexidos e coisas que nutricionistas podam com veemência, dou-me, de presente, aquilo que o mundo de hoje condena: momentos de ócio total em que eu sou o protagonista.
E antes que me pergunte, respondo: tenho amigos, muitos deles. Alguns, inclusive, que valem mais do que as maiores esmeraldas. Mas isso não mata a necessidade que tenho de tirar umas horinhas semanais para restabelecer a conexão comigo, oras! Porque o simples ato de existir, por diversos motivos, afasta-nos de nós – principalmente nestes tempos em que podemos permanecer conectados a todo tipo de mundo impalpável e gente que se constrói como deseja ser enxergada – e não como deveras é!
“E sua namorada, o que ela pensa dos dias em que a deixa só?” é outra questão que escuto à beça. E sempre a respondo da mesma forma: ela agradece. Porque, assim como eu, valoriza os encontros que marca com ela, períodos que usa para regar a personalidade que tem desde sempre, e que morre de medo de perder em meio a tanta mistura moderna e artificial, se é que me entende…
E quando fica só, diferente de mim, não faz café nem caminha por longas avenidas: passa horas abraçada apenas por edredons, de pijamas; permitindo-se o direito – que vive a ser erroneamente chamado de “vagabundagem” – de não fazer porra nenhuma – nem trabalho nem atividade física nem social nem… Nada! E isso, entre outras coisas, faz com que eu a admire e dá fôlego à nossa relação.
“Com quem você foi?”, perguntam-me toda hora, como já sabem. E agora, felizmente, também sabem a resposta e o porquê de eu usá-la: fui comigo porque estava com saudade de mim, precisando me reencontrar; saudade daquele que vivo a perder sem perceber, enquanto sofro tentando estar em contato com todos os seres que, de maneira rasa, diariamente, falam comigo; assim, ó:
“Oi, tudo bom?”
”Tudo e aí?”
“Também.”
“Vamos marcar algo algum dia desses?”
“Vamos.”
“Então tá. Fechou. Beijo.”
“Beijo.”
E você, reserva um tempinho a você? Ou ainda não descobriu a enorme diferença entre liberdade e solidão?