Se eu pudesse definir as relações a dois em uma única palavra eu diria sem pensar duas vezes: recomeçar. Relacionamentos nada mais são do que ciclos eternos, persistentes e constantes de recomeços. Desses que dia a dia mudam um pouquinho de quem a gente é por dentro e, com sorte, nos fazem transcender a um novo patamar de maturidade graças à convivência, à rotina, ao que todas as manhãs nos motiva a continuar. O fato é que nem sempre abraçamos com ternura os descompassos que muitas vezes nos forçam a repensar a caminhada. E aí é que mora o dilema: na grande maioria das vezes não é a travessia que precisa ser reconsiderada é a forma como você encara aquilo que não deveria passar de um mero aborrecimento.
Eu digo sempre que desconfio de relacionamentos que não apresentam pontos de conflito. Se o momento é devidamente aproveitado eu acho saudável, útil e bastante produtivo para os que desejam crescer como casal. Para os que têm o discernimento de que é preciso analisar oproblema com os olhos de dois e que nessa conversa o ego precisa necessariamente ficar de fora, discussões pontuais não tomam uma proporção maior do que aquilo que elas realmente são. Não tem uma semana de “bico”, de cara virada, de troca de farpas e acusações, muito menos desistências. Ninguém decide pular do barco simplesmente porque não teve suas vontades satisfeitas.
Em uma parceria de verdade, diferente do que se vê por aí, não dormir brigado é obrigatoriamente uma premissa. E falo mais, quando a mágoa for muito grande, dessas que a gente precisa de um tempo para destilar, se permita doer no quentinho da cama, guarde um tempo a sós para si, mas abra os olhos no dia seguinte e comece de novo. E de novo, e de novo, e assim por diante. Precisamos começar a absorver a concepção de que as pessoas erram sim. Não podemos exigir perfeição quando nem a gente consegue corresponder a esta expectativa. A única coisa que podemos contar dentro de uma relação é com o carinho e o cuidado do outro com o nosso segundo de falha. Mais importante ainda: nãotransforme o ratinho em um elefante. Vocês como um casal são a soma daquilo que cada um individualmente vê.
Chega de tentar romper relações por motivos mesquinhos, chega de cobrar por um estereótipo de parceria inexistente, chega de “pequenices”. Não é fácil, não se aprende nos livros e frequentemente pode deixar uma cicatriz aqui ou ali. Mas, faz parte. Conversem, se acertem, encontrem um denominador comum e sigam adiante. Recomecem sempre que acharem necessário, independente se é a milésima vez naquele mesmo dia, naquela mesma hora, naquele mesmo olhar.
Deixe a tempestade trovejar enquanto ela desaba. Nem mais, nem menos. Após o temporal a gente recupera aquilo que saiu do lugar e deixa a brisa leve da lembrança dissipar os resquícios do desastre. Que no dia seguinte a única memória da passagem do furacão seja o cheiro de terra molhada. Sem rancor nos olhos, descaso no fino trato, tampouco frieza no abraço. Porque vai chover sempre, a gente é que não pode se desfazer por inteiro cada vez que uma folha sair do lugar. Ela se foi dali, mas amanhã está acolá tentando recomeçar. Seja como ninho, seja como adubo, seja como lar.