Se você é mulher, provavelmente já se viu numa situação em que ficou constrangida sem ter feito nada de errado. Se sentiu constrangida ao perceber que estava sendo devorada por olhos estranhos, ou talvez por ter ouvido palavras – que, aos ouvidos de alguns, podem parecer elogios – mas que você não pediu para ouvir.
Cantadas são algo corriqueiro na vida das mulheres e ninguém pergunta se elas estão felizes com isso ou não. As que se sentem ofendidas e revidam, são vistas como stressadas. E assim, passamos nossa vida tendo que ouvir coisas que não queremos.
Vem Aqui, SUA LINDA
No Brasil, é culturalmente aceitável chegar para uma mulher a qual você não conhece e chamá-la de “gostosa”, “delícia” ou dizer que ela tem “uns puta pernão” ou “um bundão de causar inveja“. Já ouvi coisas desse tipo e outras muito piores sem ter antes expressado nenhum desejo por atenção. Já vivi situações também de fulano passar do meu lado da calçada e sussurrar coisas bizarras ao meu ouvido. Não estava de decote, de saltão ou de mini-saia. E mesmo se estivesse. Nenhum deles sabia quem eu era. Nenhum deles sabia que se aquele era um bom momento pra isso – eu poderia estar triste pela morte de um amigo ou estar preocupada com algum assunto do trabalho. E aí, eis que surge um sujeito folgado que se acha no direito de falar o que quiser e pra quem quiser. E ninguém questiona isso.
E se a mulher revida da forma que deveria revidar, ganha fama de louca e ainda tem que ouvir um “Ihhh, tá de TPM é querida?“. Na boa, de TPM está sua avó. Eu não saio por aí chamando qualquer cara de gostoso porque não me deram a liberdade para tal. E muitos podem estar pensando agora – “Para de reclamar, vai, mulher adora uma inflada no ego.” Adoramos sim, mas quando vem de alguém que tem o direito de estar nessa posição. E outra coisa, nosso ego raramente é inflado com cantadas baratas, até porque já sabemos que basta ser mulher e existir para ouvir assobios e comentários de todos os tipos – então, perde-se todo o mérito do elogio, mesmo que este tivesse a intenção de ser sincero.
Além das cantadas nas ruas, mulheres também sofrem outros tipos de assédio – os que acontecem na balada. Homens se aproximam, pegam no braço, mexem no cabelo, falam asneiras. Quem lhes deu o direito? O que passa na cabeça de um cara pra chegar pegando no braço de uma pessoa que ele nem conhece? Já virei um tapa no rosto de um desses que se aproximou sem respeito. Os amigos dele ficaram assombrados, me disseram que eu peguei pesado, que ele estava bêbado – devem ter falado em off também que eu era surtada e louca. E eu respondi que se ele se aproximasse de novo, levaria mais um. Ora, quer dizer que devo me sentir acuada e ofendida em silêncio? Ação, reação. Quem faz o quer, leva o que não quer. Espero que tenha servido de lição.
Não consigo deixar de ver essa atitude desrespeitosa masculina como um assédio – até porque, uma das definições de assédio no dicionário é – “comportamento desagradável ou incômodo direcionado a alguém“. Assédios acontecem a todo momento, em cada esquina, à luz do dia. Funciona da seguinte forma: os homens têm o direito de dizer o que quiser e a mulher tem que se comportar. Mas o velho argumento “mulher que anda de roupa curta está pedindo para ouvir o que não quer“, soa ridículo. Alô? Em que século vivemos? Onde fica a liberdade individual? Se fulana quer sair de roupa curta na rua, é uma escolha dela, é o corpo dela, ela faz o que bem entender dele. E isso não dá o direito das pessoas falarem o que quiserem. Viu? Achou bonita? Achou feia? Achou gostosa? Guarde seus comentários pra você até que lhe dirijam a palavra. É assim que funciona.
Os Dramas do País do Carnaval
Brasil é o país de gente calorosa, divertida, soltinha. Aqui tudo pode, tudo dá-se um jeitinho, tudo é brincadeira. Mulheres de fio dental, esfregando bundas nas câmeras e sendo colocadas em situações que as rebaixam ao nível de objetos sexuais, já não é novidade. E as mulheres que nascem aqui mas que não querem ocupar essa posição de gostosa, acabam ficando sem opção. Tenho certeza que aquelas que querem ser vistas além de um “objeto sexual” se incomodam com as cantadas. Muitas são ofensivas, chulas, agressivas. Nos sentimos envergonhadas, intimidadas. Muitas vezes andamos com a cabeça baixa porque não queremos encarar os olhares devoradores. E quem fala que mulher gosta disso, não entende muito de mulher. Porque é claro que adoramos ser elogiadas. Mas o elogio precisa ter fundamento. Tenho certeza que nenhuma mulher iria se sentir incomodada se estivesse, por exemplo, tomando um café e um alguém passasse e falasse: “Desculpa a intromissão, mas só passei pra falar que você tem olhos lindos”, ou coisa do tipo. Ela pode até não se interessar pelo cara ou pensar “e…?”, mas a diferença é que jamais vai se sentir invadida.
Somos os primeiros a criticar a posição inferior ocupada pelas mulheres em diversos países, culturas ou religiões. Ficamos revoltados quando ouvimos que mulheres são apedrejadas em praça pública no Irã por adultério ou por terem feito sexo antes do casamento. E somos os mesmos que achamos aceitáveis as cantadas ou passadas de mão na balada. Pode parecer exagero, mas os dois exemplos são situações de desrespeito – apenas em níveis diferentes. A simples aceitação e conformismo diante da atitude abusiva dos homens que se acham no direito de dizer o que querem, talvez explique um pouco a origem de tantas agressões à mulheres no Brasil. Talvez a solução seja mesmo dar uma de louca – se sentiu ofendida? Grite. Tire satisfação. Chame a polícia. Quando não temos nossos direitos respeitados, temos mesmo que apelar para que algo seja feito. Não faz sentido termos que andar na rua de cabeça baixa porque alguns “sem-noção” não conseguem guardar suas taras para si mesmo. E se você é um deles, faça-me o favor – vai no RedTube e bata uma pra descarregar esses hormônios descontrolados. A gente não tem nada a ver com isso.
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