Onze entre dez mulheres também. É contra as leis matemáticas, mas é oficial. O Ibope confirma, o INPE confirma, o Datafolha confirma. As suas amigas também confirmam: se Chico Buarque estivesse desolado porque perdeu o amor na balada, todas elas cederiam o ombrinho para ele chorar, na expectativa de ouvir um lamento em forma de poesia e ao final da noite – quem sabe? – um convite em forma de samba para o momento do consolo. Algo do tipo: “vem cá, meu amor, aguenta o teu cantador, me esquenta porque o cobertor é curto“. A gente vai, aguenta, esquenta e pede mais. E pela manhã, ele nos acordaria com açúcar, com afeto e cantando “quero ficar no teu corpo feito tatuagem, que é pra te dar coragem pra seguir viagem quando a noite vem“. E quando a noite viesse, lá estaríamos nós, de quatro por ele – mesmo se ele fosse brocha, cheirasse mal e só tivesse um par de dentes na boca.
Se eu fosse homem, das duas uma: ou também quereria dar para ele ou estaria me perguntando qual a receita desse chá de calcinha. Chico é belo, mas está longe de ser estonteante – olhos azuis o Kassab também tem. Chico é um cantor de sucesso, mas convenhamos que não é dono da melhor voz da música brasileira – Tim Maia tinha uma voz infinitamente mais potente. Chico tem um corpinho ok para seus 68 anos, mas Ney Matogrosso tem 71, rebola dignamente e dá um caldo muito mais gostoso. E aí, o que é que esse carioca tem? Que açúcar é esse que a senhora Buarque de Hollanda passou no lugar do talco? Eu tenho o meu palpite, meus caros. Por uma infelicidade do destino eu nunca provei, mas tenho meu palpite: Chico é irresistível porque sabe usar a língua. Sim, a língua. Portuguesa, antes que vocês me levem a mal.
Se você acha que arrasa quando gira a língua desenfreadamente como uma hélice de helicóptero durante o sexo oral, sinto-lhe informar que você está subestimando esse músculo que, muito sabiamente, Deus colocou dentro da sua boca. Uma língua esperta e bem usada pode levar uma mulher à loucura. Em todos os sentidos. Eu poderia discursar durante horas sobre os prazeres de uma boa chupada ou sobre as delícias de ser lambida nos peitos e no pescoço, mas para quê isso serviria, senão para desperdiçar pares de espermatozóides viris de meninos no auge da puberdade? Quero falar do poder intelectual da língua, da conexão que ela tem com o cérebro e com o coração, da porção pensante da língua. Não basta saber conjugar o verbo ‘crer’ no pretérito perfeito do indicativo – se fosse assim, professor Pasquale pintava e bordava com o mulherio. Homem com H é aquele que sabe ser viril usando palavras sutis. Aquele que sabe chamar para transar na primeira noite sem ser pedreiro, que consegue se desvencilhar no dia seguinte sem ser grosseiro, que sabe dizer que um par de peitos é bonito sem parecer uma criança em frente a uma vitrine de doces.
Mas se você não leva jeito com as palavras, meu amigo, não se desespere. Deus te pôs bem no Brasil, terra de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, João Bosco, Herbert Vianna, Cazuza, Nando Reis, Zeca Baleiro e tantos outros compositores maravilhosos. Esteja você esperando algo em troca ou não, dedicar um trechinho de uma música de qualquer um deles cai bem, exige pouco esforço e é de graça – Renato Russo nunca veio cobrar-lhe direitos autorais pelas citações dele que você publica no seu Facebook.
“Você é forte, dentes e músculos, peitos e lábios. Você é forte, letras e músicas, todas as músicas que ainda hei de ouvir.”
Mais uma vez, boto na mesa de jogos a minha famigerada virgindade e aposto que você nem sabe o que é o tal do kabuki a que Caetano se refere logo na primeira estrofe de “Você é linda”. Eu também não sei e não quero ir ao Google procurar porque tenho medo de quebrar o encanto. “Você é linda” é a típica música que você manda para a sua namorada no começo do relacionamento, quando está preparando o terreno para comê-la, ou depois de uma briga feia na qual ela tinha razão. E, milagrosamente, tudo acaba na cama. Ponto para Caetano.
“Tendo a lua aquela gravidade aonde o homem flutua, merecia a visita não de militares, mas de bailarinos. E de você e eu.”
Eu visitaria a lua, o sol, os anéis de Saturno, Itaquera e Pirituba de mãos dadas com quem me dedicasse essa música. Me alimentaria de salada de chuchu pelo resto da vida, pegaria a linha vermelha do metrô todos os dias às plenas oito da matina, leria toda a obra de Paulo Coelho, assistiria ao Globo Repórter todas as sextas à noite. E ainda assim, não desejaria vida melhor, porque teria amor para dar e vender. “Tendo a Lua” é dose letal de afeto. Nossa, nossa, assim você me mata, Herbert Vianna.
“Vem me trazer calor, fervor, fervura, me vestir do terno da ternura. Sexo também é bom negócio. O melhor da vida é isso e ócio.”
Para quem não gosta de lambeção de saco, Zeca Baleiro é na medida. “Meu amor, minha flor, minha menina” é perfume de testosterona com notas amadeiradas de progesterona. Um bom nota sete e sempre dono da razão, Zeca chama para transar sem montar enredos mirabolantes, manda flores ao delegado, bate na porta do vizinho para desejar bom dia e beija o português da padaria. Sacanagem da boa e garantida.
Ainda assim, caro amigo, corre o risco de você não agradar. Se já fez a linha romântica, galanteadora, cafajeste, malandra, sensível, sensual e nada deu certo, tente bancar o justiceiro. Pegue carona no Bonde do Tigrão, saque o pistolão e grite a todos pulmões: “Agora eu vou falar dos seus direitos. Tu tem direito de sentar, tem o direito de quicar, tem o direito de sentar, de quicar, de rebolar”. Afinal, a gente tem mesmo o direito de fazer tudo isso. Nem só de clássicos vive a música brasileira, nem só de poesia vive o amor, nem só de gentileza vive um relacionamento. Vai que funciona?