Há certas coisas que não combinam: antibiótico com bebida; calça estampada com blusa florida; batata frita com sorvete e, definitivamente, religião com política.
As religiões foram criadas por alguns homens, e ninguém hoje em dia é obrigado a seguir uma delas. Até porque, com um pouco de reflexão, percebe-se de cara que todas as religiões falam de uma coisa só (“Deus”) com nomes diferentes. Em nome delas, guerras e mais guerras foram e são travadas; inocentes foram e são condenados, e quem não tem nada a ver com a loucura dos humanos acaba pagando o pato. Independente da sua opinião sobre religião, é impossível negar: todas elas terceirizam a fé e manipulam para que possam estar no controle de algo que é pessoal e intransferível de cada pessoa.
Felizmente, hoje em dia cada um tem o direito de escolher se quer seguir uma religião ou não. No entanto, no Brasil, mesmo quem opta por não seguir religião alguma acaba sofrendo consequências, já que hoje temos vivido um momento de retrocesso, no qual a religião tem interferido na política, causando consequências desastrosas. O exemplo mais recente foi aquilo que parece uma piada – temos um presidente da comissão dos Direitos Humanos totalmente homofóbico e preconceituoso, que dentre outras atrocidades, acabou de encaminhar para votação um projeto de lei para a “cura gay.” Alguém para o mundo que eu quero descer.
Como se não bastasse, o povo brasileiro agora está tendo que engolir outra bomba: está tramitando no Congresso Nacional o PL 478/2007, um projeto de lei maléfico chamado de Estatuto do Nascituro que, se aprovado, promete colocar o Brasil definitivamente na contramão das tendências mundiais no que se refere à abordagem legal do abortamento induzido, criminalizando, inclusive, hipóteses em que, atualmente, a prática é permitida no Brasil, como no caso de gestação resultante de estupro, risco de morte para a mãe, ou feto anencéfalo.
Dentre vários artigos dessa lei que definitivamente parece pegadinha de mau gosto, há um artigo que estabelece que a mulher que sofreu estupro tem que manter o feto. Mas calma, os políticos pensaram em tudo: tudo vai ficar bem porque o estuprador terá de pagar pensão alimentícia (WTF?) para o filho; se ele não pagar, o estado oferecerá um tipo de “Bolsa Estupro”. Ou seja – querem mesmo foder (e somente no sentido pejorativo) a vida das mulheres. Como se não bastasse o trauma e a violência que jamais serão esquecidos, a mulher ainda terá de enfrentar essa humilhação vergonhosa.
E as atrocidades não param por aí: se descoberto que uma mulher abortou, a polícia irá investigar se foi proposital ou não. Agora imagina você – ou qualquer mulher da sua família, sua mãe, irmã, ou amiga – se recuperando do trauma sofrer um aborto, e ainda ter que dar satisfações para a justiça. Estamos nos aproximando da realidade de El Salvador, que condena todas as formas de aborto, e que sentenciou uma mulher a 40 anos de prisão por um aborto involuntário.
Ou seja – se aprovado, o Estatuto determinará que a vida do embrião (mesmo que todo mundo já saiba que até o terceiro mês de gestação o aborto é indolor, já que o feto ainda não tem o sistema nervoso formado) é mais importante do que a da mulher. Só uma mentalidade de país de terceiro mundo para acreditar que leis proibicionistas como essa, dignas de ditadura, irão impedir alguém que está determinada a fazer um aborto. Claro que não vai. Mulheres continuarão abortando, se assim desejarem, mas cada vez mais tendo de apelar para métodos clandestinos, sem segurança, e que as colocam em sério risco de morte. A cada ano, conforme estimativas, 1 milhão de abortos são realizados no Brasil, sendo que 220 mil deles levam a infecções graves e perfurações no útero, entre outras complicações. Ou seja – muitas mulheres de classe baixa morrem tentando abortar em casa. Somente as ricas conseguem pagar uma clínica clandestina particular que faça um procedimento menos invasivo. Soa como insanidade – ora, se o corpo é da mulher e a vida também, ela tem o direito de tomar a decisão que julga ser mais sábia. E o Estado precisa respeitar isso.
Não estamos pedindo muito – o exemplo já está aí para ser seguido. Basta observar países que legalizaram o aborto e que tiveram como resultado uma diminuição da violência e de mortes. Os números comprovam: nações com leis mais flexíveis são, em geral, as que resolvem melhor seus problemas sociais e econômicos.
Precisamos nos mexer e soltar o grito para não permitir que a religião e seus dogmas ultrapassados continuem a interferir negativamente na vida dos brasileiros. Não podemos mais aceitar o governo prejudicando os cidadãos. Eles querem dominar, e fazem isso comendo pelas beiradas, prejudicando as minorias. Primeiro, os gays. Agora as mulheres. Se os homens também engravidassem, faço uma aposta de que nós não precisaríamos estar discutindo uma questão tão ultrapassada como essa. Estamos seguindo o exemplo de países como o Afeganistão, onde mulheres definitivamente são invisíveis. A relação pode ser observada no Mapa da Legislação sobre o Aborto, que o Center for Reproductive Rights (Centro de Direitos Reprodutivos), ONG com sede em Nova York, montou ao pesquisar as leis em 196 países e estados independentes:
Esse mapa divide o planeta em cinco categorias – vermelho, vinho, laranja, azul e verde. Pela ordem, vai das leis mais duras às mais flexíveis. Mostra que o aborto é tratado no Brasil como no Haiti, no Paraguai e no Burundi. Nosso país faz parte do bloco vermelho com as 68 nações mais pobres , onde vivem 25,9% da população global. Lamentável.
Chega de leis proibicionistas. Queremos ser representados por um Estado que lute pelos direitos da população, em vez de restringi-los. Chega desse bando de políticos e partidos machistas e preconceituosos. Por um mundo no qual todo cidadão – seja ele homem, mulher, gay, hétero, travesti, negro, branco, pardo, pobre ou rico – possa ter o direito de escolher como vive a sua própria vida. Sem moralismos. Sem perda de tempo com questões ultrapassadas. Sem essa mentalidade medíocre e retrógrada dessa corja de políticos nojentos que – definitivamente – não nos representa.
Se você concorda, não se cale – ajude a espalhar a mensagem!
Clique para saber mais detalhes desse projeto de lei. Se você também acha tudo isso um absurdo, assine a petição pública em defesa das mulheres brasileiras.