• A “cura gay” e a insanidade de querer  curar alguém que não está doente
  • A “cura gay” e a insanidade de querer


    curar alguém que não está doente


    Eu tenho uma porção de amigos gays. Pra todos os gostos e ideologias. Bonitos, feios. Gordos, magros. Pretos, brancos. Altos, baixos. Assumidos, enrustidos. Ativos, passivos. E sempre fui feliz por tê-los ao meu lado. Não simplesmente pelo fato de eles serem gays – afinal, orientação sexual não tem poder algum de influência (seja ela positiva ou negativa) sobre o caráter de uma pessoa. Sou feliz ao lado deles porque, assim como os meus amigos héteros, todos eles têm alguma coisa que me faz transbordar. O senso de humor, o senso crítico, a espontaneidade, a sinceridade, a amorosidade. E é por eles, por mim e por todos nós que, hoje, venho explicar uma coisinha bem simples a quem faltou na aula da tia Cotinha e ainda, por algum motivo obscuro, não conseguiu entender: homossexualidade não é doença.

    E, sim, é homossexualidade, e não homossexualismo. O sufixo -ismo denota doença na literatura médica. Apenas na literatura médica, vale ressaltar, antes que algum iluminado me venha com o contra-argumento de que jornalismo, marxismo e cristianismo são palavras que portam o sufixo -ismo e nem por isso denotam doenças. Pois bem, como eu ia falando, a homossexualidade não é doença – há uma discussão corrente nos meios médicos para descobrir se as causas da homossexualidade são genéticas ou determinadas pelo meio ambiente. Portanto, não sendo doença, não é contagiosa – o que significa que, se você dormir no mesmo quarto que um gay, meu amigo machão, continuará com a sua heterossexualidade intacta. E, se não tem ares de moléstia, a homossexualidade não tem cura.

    Não que a cura gay não exista porque a medicina ainda não descobriu substância ou método eficaz para o seu combate, como acontece com a AIDS. O homossexual também não é comparável ao caso de um doente terminal, que já foi desenganado pelos especialistas. A cura gay não existe simplesmente porque não há cura para quem não está doente. Simples assim. A tristeza pontual, por exemplo, não é uma doença. Se você está triste porque o seu time do coração perdeu a final do Campeonato Brasileiro, não há melhor remédio do que uma boa cerveja com os amigos. Se você está chorando porque tomou um pé na bunda, deixe que o tempo e o acaso resolvam e amenizem as dores. E se você é homossexual, não precisa de outra coisa que não seja respeito e direito de amar e ser amado.

    Por isso, o projeto de lei conhecido como “cura gay”, que permite aos psicólogos tratarem a homossexualidade como uma doença a ser remediada e um mal a ser combatido, é um absurdo da mais assustadora natureza e vai contra, inclusive, as normas do Conselho Federal de Psicologia, que proíbe que esse tipo de tratamento seja dispensado aos gays. E infelizmente, para deixar o mundo um pouquinho mais cinza, na última terça-feira, enquanto o país se mobilizava pela diminuição do preço da passagem de ônibus em diversas capitais, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, presidida por ninguém menos do que o ~ilustríssimo~ deputado federal Marco Feliciano, representante da bancada cristã no congresso, aprovou esse projeto de lei. Está certo que a proposta ainda terá que passar por duas outras comissões para então ser encaminhada ao plenário da Câmara – e que muito provavelmente pessoas de bom senso não deixarão esse absurdo ir adiante -, mas essa é uma prova clara de que há gente que deveria nos representar e tem prazer em fazer exatamente o contrário.

    Vale ressaltar que estamos falando de uma comissão que, teoricamente, deveria ser a primeira a respeitar e a defender as minorias, em vez de trabalhar para a extinção da diversidade. Porque considerar a homossexualidade algo passível de cura é querer homogeneizar – pra não dizer higienizar – uma sociedade que caminha a passos de formiga para o reconhecimento e o respeito às diferenças. Uma sociedade que ainda comete crimes de ódio motivados pela cor da pele, pela opção religiosa e pela orientação sexual. Uma sociedade composta por gente que não se crê homofóbica, mas que se sente desrespeitada ao ver um casal homossexual entrando de mãos dadas no restaurante. Que se acha no direito de agredir física ou moralmente alguém ou de negar-lhe uma vaga de emprego por causa da orientação sexual. Em suma, num país que ainda engatinha quando o assunto é altruísmo e respeito às diferenças, o projeto da “cura gay” representa um retrocesso perigoso.

    Também não se pode esquecer que a bancada evangélica da qual Marco Feliciano (que de feliz só tem o nome) faz parte é a mesma que defende com unhas e dentes o patético e desrespeitoso Estatuto do Nascituro, que luta para criminalizar o aborto mesmo em casos nos quais a mulher sofreu estupro ou o feto é anencéfalo – ou seja, subjuga mais uma vez o corpo feminino às diretrizes religiosas, ignorando completamente o bem estar e a segurança psicológica e física da mulher. E se pra você a desgraça já está de bom tamanho, peço que espere só mais um minutinho antes de ir ao banheiro vomitar a coxinha que você comeu mais cedo, porque me sinto no dever de reforçar que Feliciano, que ocupa um cargo público de representação das minorias, foi o autor de declarações preconceituosas e disseminadoras de ódio contra gays e negros em um passado nada distante – segundo o deputado, os homossexuais representam a podridão dos sentimentos, o que justifica os crimes de ódio praticados contra eles, e os negros são uma raça amaldiçoada.

    Agora que já conversamos um pouquinho, me diga: quem é que precisa de cura? Será que os gays precisam mesmo de Navagina em gotas? Será que as lésbicas serão curadas com comprimidos de Buscopau? Ou será que é Infeliciano que está precisando de uma dose elefantar de bom senso, amor e tolerância para combater a sucessão sabedorias que ele defeca a cada vez que abre a boca? A resposta está bem diante dos nossos olhos. Cabe a nós apenas retirar as vendas e não colocá-las nunca mais. Porque senão, ah, ele apronta de novo…

    Se você concorda com a gente, ajude a espalhar essa mensagem.

    Para saber mais sobre esse projeto de lei, clique aqui. E se você também achatudo isso um absurdo, assine a petição pública em defesa da diversidade e da liberdade de orientações sexuais.


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