• Minha sexualidade não define meu caráter
  • Minha sexualidade não define meu caráter


    Nascemos e crescemos num mundo extremamente complexo, mas que nunca nos foi apresentado como tal. Talvez para nos poupar de algum sofrimento e de muito questionamento, a simplificação das coisas, das pessoas, dos comportamentos e dos sentimentos sempre tomou conta da ficção e – muito pior – da educação que as crianças – eu inclusa – recebem desde a mais tenra idade. Em Hollywood e na novela da Globo, o mocinho é bom e o vilão é mau. Na Disney, a bruxa é feia e a princesa é bonita. Na prova de história, dizer que o Brasil foi descoberto pelos portugueses é certo e dizer que os índios já haviam descoberto as maravilhas da nossa terra muito antes é errado. No discurso dos nossos pais, a iniciativa privada é eficaz e a pública é morosa. Nada mais natural do que cresçamos achando que tudo – absolutamente tudo – nesse mundo seja maniqueísta ou binário. Inclusive a sexualidade. Homem tem pinto, usa calça jeans e gosta de mulher; mulher tem buceta, usa saia e gosta de homem. Quem destoa disso incomoda, porque coloca em xeque uma das maiores certezas que a gente tem na vida: de que só existem dois lados.

    Mas, quando o assunto é sexualidade, a coisa não é bem assim. Pode ser difícil pra você, machão Old Spice, entender, mas a realidade é que o seu comportamento sexual não é o único que existe e que é legítimo. Nem todo homem precisa salivar feito um esfomeado diante de uma macarronada quando avista um par de peitos. Ele pode se interessar e se manifestar de outra forma. Ele pode simplesmente não se interessar. Ou ele pode até se interessar, mas não em apalpá-los, e sim em tê-los no próprio corpo. E basta a gente crescer, ler um pouquinho, assistir algo além de Pokemón e observar o mundo ao redor sem as lentes do normativismo para perceber o quão estúpido é se incomodar com a sexualidade do outro. Qual o problema se a sua colega de trabalho transa com uma mulher? Qual o problema se a sua prima só usa camisetão, bermuda até o joelho e repudia maquiagem? Qual o problema se o seu vizinho decidiu colocar uma prótese mamária pra se sentir psicologicamente mais adaptado ao corpo que tem?

    Pra você, certamente nenhum. Já ele, eu imagino que enfrente vários. A começar por um que eu acabei de cometer: referir-se a ela como “ele” – afinal, se alguém faz procedimentos cirúrgicos e estéticos para mudar de sexo, não faz sentido que essa mudança não se reflita também na maneira como nos dirigimos a esse alguém. Invariavelmente, vem também o preconceito, que se traduz em abusos, em desrespeito e em violência. Thammy Gretchen, por exemplo, quando posava nua e fazia filme pornô, servia muito bem para a macharada. Hoje, não passa de uma depravada, louca e que precisa de uma boa surra pra “endireitar”. Onde já se viu essa sem vergonhice? Deus criou o homem e a mulher como seres complementares e deu a cada um dos sexos características que não devem jamais ser renegadas. Olha o capricho da criação divina: o homem tem um pêndulo, e a mulher, uma reentrância. O encaixe perfeito. Deus não erra nunca.

    Talvez não mesmo – se é que ele existe. Mas o homem erra. E muito. Erra a cada vez que acha que sabe o que é melhor para a vida do outro. Erra a cada vez que não reconhece que qualquer maneira de amor vale a pena. Erra a cada vez que se nega a enxergar e a respeitar a diversidade. Erra quando agride um transexual. Quando chama um homossexual de “viadinho afetado”. Quando expulsa do banheiro masculino alguém que nasceu como mulher, mas que não se reconhece como tal. Quando muda de assento no ônibus só para não ficar ao lado de um gay. Quando prega, a todos pulmões, que normal mesmo é homem gostar de mulher e mulher gostar de homem. Quando relativiza: “não tenho nada contra, mas se fosse meu filho…”.

    Se fosse seu filho, meu amigo, você não deveria fazer nada além de dar a ele muito amor, muita compreensão, muito amparo e a possibilidade de se comportar e de se manifestar sexualmente da maneira como lhe for mais agradável, prazeroso e conveniente. Caso contrário, esse capítulo da sua vida poderia acabar trágico, como no caso desse adolescente transexual que antes de se suicidar, deixou um bilhete culpando os pais pela sua escolha (leia aqui: http://bit.ly/1KWrez2)

    Se for um menino que gosta de beijar meninas, ótimo. Se for um menino que gosta de beijar meninos, ótimo também. Se for uma menina que usa roupa de menina, tudo certo. Se for uma menina que usa roupa de menino, tudo certo também. Se for um menino contente com o próprio corpo, sem problemas. Se for um menino que decidir abdicar do pinto com o qual nasceu, sem problemas também. Porque, por mais que ele(a) seja seu filho(a), a sexualidade dele(a) não diz respeito a outra pessoa que não ele(a) próprio(a). E por mais que ele(a) seja homossexual ou transexual, ele(a) certamente será uma pessoa carregada de sentimentos, de vontades, de vícios e de virtudes. Apesar de ser determinante, a sexualidade é apenas uma das zilhões de partezinhas que compõem um ser humano. Que pode ser um heterossexual incrível ou um heterossexual horrível. Um homossexual exemplar ou um homossexual sem caráter. Um transexual maravilhoso ou um transexual sem escrúpulos.

    Sexualidade não define caráter. E ninguém merece ser reduzido ao que carrega no meio das pernas.

    bruna


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