Acabei de receber um convite para um chá-bar. Despretensioso, por e-mail, com um layout moderninho. Só gente boa na lista de convidados, gente com muito amor pra dar e pra receber. Mas preciso desabafar: aquilo soou um pouco assustador pra mim. Poderia ser apenas uma boa oportunidade para rever bons amigos e tomar bons drinks, mas arrisco dizer que não é. Não que eu seja adepta daquela historinha sem graça de “mimimi, perdemos mais um guerreiro para o time dos casados”. Quero mesmo é que todo mundo seja feliz nessa vida da maneira como convier: a um, a dois, a três ou de quatro. E pode até ser que eu esteja fazendo tempestade em copo d’água, mas pra mim, por enquanto, a verdade é tão somente essa: perdemos mais um guerreiro. Não para o time dos casados – afinal, o que é o casamento senão um contrato social para firmar algo que já existe há certo tempo? –, mas para um time muito mais experiente e bom de bola. Um time que não leva desaforo pra casa e que não tem tempo a perder: o tão temido time dos adultos.
Dramática, eu? Com todo o prazer da minha ascendência grega. Mas antes isso fosse apenas um simples surto de drama. Há duas semanas, eu fui ao quarto casamento de uma amiga no período de um ano – o que dá, em média, um casamento a cada três meses. E há três, me vi passeando por entre estandes de roupa infantil na Benedito Calixto para comprar uma roupa para o filhinho de um casal de amigos. Na minha timeline do Facebook, que antes era composta quase que exclusivamente por vídeos de bandinhas hipsters que me dão no saco que eu nem tenho ou por protestos políticos dessa gentinha de esquerda (como vocês costumeiramente se referem a mim), agora vejo uma enxurrada de conhecidas grávidas e uma avalanche de amigos postando fotos de bebês que, se fosse há dois anos, seriam meros sobrinhos, priminhos ou irmãozinhos temporãos. Mas que hoje, são filhos. F-I-L-H-O-S. Fabricados por aquele processo delicioso que a gente costuma chamar de sexo. Enquanto eu só faço pra brincar, tem gente fazendo pra valer. É. Parece que a realidade me bate à porta. E acho que já tá na hora de abrir.
Que atire a primeira pedra quem nunca foi minimamente acometido pela tão condenada síndrome de Peter Pan. Não necessariamente estou falando, cara, de ser, cara, um integrante, cara, de uma banda de rock, cara, brasileira dos anos 80, cara. Nem de se recusar a assumir um novo posto profissional com medo das responsabilidades. Mas, sim, daquela vontade angustiante de gritar ao maquinista do mundo: PARA, QUE EU QUERO DESCER. Ou volta 20 estações, que eu quero retornar à minha infância. Quero colinho de mãe, quero leite quente com bolacha Passatempo no café da manhã. Quero subir numa bicicleta e pedalar sem rumo pela estrada de terra, quero cair e ralar os joelhos só para sentir o ardor do Merthiolate. Quero dormir sem hora pra acordar, quero que minha única preocupação na vida seja fazer a tarefa de matemática. Não quero contas a pagar, não quero amores mal resolvidos. Só quero amor de mãe.
Mas a gente cresceu, brôu. Primeiro arranjou um emprego. Depois um amor. Depois umas contas a pagar. Depois um filho – ou uma legião de cachorros. Depois mais contas a pagar. E quando se deu conta, a infância já havia virado uma realidade distante. Quase utópica, de tão distante. Era o adulto batendo à porta. E a gente abriu só uma frestinha, que era pra ele ir entrando aos poucos, descompensando aos poucos, enlouquecendo aos poucos. Não vou dizer que a vida adulta seja só ônus, porque não é. Ao contrário da pressão social que nos é imposta, ninguém é obrigado a casar e a ter filhos – temos bônus da liberdade de escolha. Presumindo que conquistemos o nosso próprio dinheiro, podemos fazer o que bem entendermos com ele – temos o bônus da independência. O nosso repertório de vida parece minimamente suficiente para resolvermos problemas que antes nos deixariam sem dormir – temos o bônus da maturidade. Descobrimos o verdadeiro sentido da vida depois de experimentarmos a primeira gozada – temos o bônus do sexo, a coisa mais deliciosa que eu já experimentei até hoje.
Sem dúvida, se eu tenho estrutura emocional para suportar um corpo e as responsabilidades dos vinte e poucos anos, é, em partes, por causa da criança que fui. Mas se eu pudesse deixar um conselho a ela, eu diria: prenda-se menos às regras – elas foram feitas para te limitar. Apronte um pouquinho mais – mas aguente todas as consequências das suas molecagens. Estude um pouquinho menos – mas só um pouquinho. Você poderia ter ainda mais cicatrizes nos joelhos se tivesse sido mais displicente com a tarefa do inglês. As melhores coisas da vida, menina, você vai aprender na escola. Mas, definitivamente, não na sala de aula.