Se eu disser aqui que nunca comprei um par de sapatos para aliviar o estresse, quantos de vocês irão acreditar? Pouquíssimos, eu presumo. Porque comprar sapatos está para as mulheres assim como jogar videogame está para os homens, não é mesmo? E toda mulher cobiça o que a outra tem, porque é competitiva. E nunca se arruma para se sentir bem consigo mesma – só pra despertar a inveja das outras. E sempre faz cu doce – afinal, é uma questão de se dar valor. E comenta do tamanho do pau do namorado com a BFF, porque BFFs são ~tipo irmãs~ que a gente escolhe pra vida. E gosta de dinheiro – e de presentes caros. E toda mulher, dizem por aí, vira uma fera e depois chora sem motivo quando está na TPM.
Se você acha que é só isso, meu caro amigo, você não entende nada de mulheres. Tem muito mais. Mulher dirige mal, não sabe separar amor de sexo, tem medo de barata, demora a se arrumar, nunca vai direto ao ponto, é grudenta, muda de opinião diariamente, faz dietas mirabolantes, nega elogios, vai acompanhada ao banheiro, reclama do futebol e do videogame… E mais uma infinidade de absurdos que eu tô com preguiça de continuar listando. Porque a palavra é bem essa mesmo: pre-gui-ça. Preguiça de todos os estereótipos de gênero criados ao longo da existência da humanidade, que nada fizeram a não ser fomentar uma infantil e eterna guerra dos sexos.
Não é novidade pra absolutamente ninguém que, desde que a gente cai de paraquedas e sem para-raios nesse mundão de meudeus, somos constantemente encaixados em padrões preestabelecidos. A sociedade age como um artesão que organiza suas miçangas – aqui rosa, aqui azul, aqui verde, aqui amarelo. Aqui brancos, que são playboys; aqui negros, que são marginais; aqui indígenas, que são vagabundos; aqui amarelos, que estão estudando nesse exato momento para roubar a sua vaga no vestibular. Aqui ateus, que comem criancinhas; aqui católicos, que também comem criancinhas; aqui evangélicos, que comem o seu dinheiro; aqui as religiões afro, que comem galinha viva. Aqui os ricos, que gastam dezenas de milhares de reais por mês com futilidades; aqui os pobres, que fazem filho pra ganhar bolsa-família; aqui a classe média, que sofre. Aqui os homens, que são o sexo forte; aqui as mulheres, que são o sexo frágil.
E eu poderia falar de mais dezenas de rotulações às quais estamos sujeitos só porque nascemos numa sociedade que persegue a normatividade, mas aí eu gastaria oito vidas – e eu, como boa gata, só tenho sete. Então me atenho à última categoria: a de gêneros. Se tudo o que eu citei no início do texto compuser um conceito de feminilidade, sou um homem. Do mais másculo. Daqueles que não se emocionam com filmes, não choram em nenhuma circunstância, pegam todas na balada, nunca recusam uma cerveja, largam a toalha molhada em cima da cama, não resistem a um par de peitos, manjam tudo de futebol, cultuam com apego cada tufo de pelo que lhes nasce no peito, mentem sobre o tamanho do pau e a sobre quantidade de mulheres que já pegaram na vida. Porque homem que chora, que pede um suco de laranja ao garçom, que prefere a novela ao futebol e que nega uma trepada – independente dos atributos físicos e intelectuais da mulher que lhe oferece – é viadinho. Só pode ser.
É. Aposto que até certo ponto do texto, pelo menos metade de vocês teve o ímpeto de me chamar de feminazi-que-precisa-de-uma-pilha-de-louça-pra-lavar. Mas a verdade, como bem lhes fiz o favor de esfregar na cara, é que lutar pelo fim dos estereótipos de gênero não é uma causa feminista – é uma causa humana. Tanto homens quanto mulheres são prejudicados pelas generalizações. Mas a maioria de nós ainda se recusa a enxergar e coloca a responsabilidade sobre os fatores biológicos – ou melhor, atribui efeitos culturais à biologia. Mulher tem que cuidar dos filhos e da casa porque tem instinto materno. A testosterona é o hormônio do prazer sexual – portanto, é natural que homens, poços de testosterona, jamais neguem sexo e saiam tresloucadamente atrás de um buraco onde possam fincar seus paus duros. Se peitos femininos não fossem feitos para serem apreciados e apalpados, eles não seriam mais volumosos do que o peitoral masculino – por mais que estejamos carecas e depilados de saber que eles foram feitos para amamentar.
Os estereótipos de gênero na sua vida começaram antes mesmo de você nascer. Quando mamãe foi fazer o ultrassom e o médico disse “É MENINO!”, papai pensou nas tardes de domingo em que jogaria futebol com você, e titia comprou um macacãozinho azul e um carrinho, que era pra enfeitar o seu quarto e pra você brincar depois dos três anos – porque continha peças pequenas que poderiam ser ingeridas acidentalmente. E você, que nasceu menina e usava macacãozinho rosa, ganhou bonecas e kits com panelinhas e pratinhos – que, caso eu seja muito maliciosa me avisem, mais parece uma escola de criar donas de casa –; enquanto mamãe pensava em todos os penteados mais mirabolantes que faria com seus belos cabelos longos. Aí você cresceu e menstruou. Se apaixonou por um menino quando transou com ele, porque não soube separar amor de sexo. Cultivou seus longos e lindos cabelos por toda a vida. Namorou, casou, teve um lindo varãozinho e sonhou que ele se tornasse um engenheiro de sucesso – afinal, homens sempre têm o raciocínio lógico mais aguçado do que a sensibilidade emocional.
Mas poderia ter sido diferente. Você poderia ter cortado suas madeixas aos doze anos e decidido nunca na vida perder tempo esmaltando as unhas. Ou poderia ter se apaixonado por uma menina. Ou poderia ter casado com um homem, mas decidido não ter filhos. Ou poderia continuar solteira, aproveitando vários one night stands e se apaixonando pela casualidade do mundo. E, em vez de se divertir com banhos de loja, seu hobby poderia ser andar de kart ou jogar videogame. Certamente, a sociedade faria você se sentir um peixe fora d’água – afinal, você transgrede a normatividade. Mas aí você se lembra de que os homens usavam saias e choravam sem vergonha na Grécia Antiga. E de que, lá mesmo, ser bissexual é que era sinal de masculinidade. E de que, em meados de 1910, azul era cor de menina. Ah, e de que, no Egito Antigo, os homens também usavam maquiagem. Pois é. Parece que a normatividade de vocês tem uma lógica contestável…
E aí, moralistas de plantão, cadê os seus deuses agora?