A decisão de ter filhos é uma das mais convicções mais difundidas e pouco pensadas perpetuada na nossa cultura. O pensamento padrão é: ter filhos. Mas existem convicções que uma pessoa carrega que podem ser completamente automáticas, fruto do meio e da educação que recebeu. Nesse sentido, ao serem questionadas, darão respostas de senso comum, já que foram pensamentos pouco refletidos ou trabalhados.
Por outro lado quem decidiu não ter filhos precisou de um processo mais elaborado para chegar nessa decisão “não natural”, pois é uma forma de nadar contra a correnteza. Por conta disso alguns casais se chocam quando a posição de uma das pessoas é a de não ter filhos. De forma geral quem quer ter pode nunca ter meditado seriamente sobre as implicações de uma criança, mas quem não quer costuma ter suas convicções mais sólidas.
“Como assim, você é tão boa pessoa e não quer ter filhos?”, parece estranho esse questionamento, mas a ideia de não ter filhos vem associada a muitos estigmas distorcidos, como ser fruto de egoísmo, covardia, desequilíbrio e outros.
O marketing que gira em torno da decisão favorável de ter filhos é gigantesco, somos rodeados de fotos de bebês lindos nas redes sociais e comerciais de família feliz. Mas o lado B, oneroso, problemático e negativo não é compartilhado nem em pensamento entre os casais com filhos. Quem teria coragem de levantar bandeiras em favor de uma vida sem filhos e ser apedrejado por defensores da gravidez a qualquer custo?
Talvez você nunca tenha pensado, mas um dia seu chefe insuportável e seu vizinho detestável já foram crianças e os problemas deles surgiram com contexto específico lá atrás na relação tumultuada com seus pais. Dificilmente o senso comum faz uma conexão entre o mundo caótico em que vivemos e crianças que se transformaram em adultos mimados e territorialistas.
Isso não é uma apologia ao controle de natalidade, mas só uma conexão causal entre o despreparo dos pais das crianças que se tornam adultos difíceis. A realização de ser pai e mãe não é para qualquer um, já que educar um filho não é tão óbvio quanto parece. A quantidade de casais que despeja crianças no mundo sem planejamento emocional também colabora para um crescimento populacional menos preparado, que nem o jeitinho brasileiro conserta.
A decisão de não ter filhos também pode não ser por objeções a ter filhos, mas por causa de um estilo de vida diferente, com outras prioridades. Portanto, pode ser tão legítima quanto a de tê-los e nos dois casos costumam ser desejos inegociáveis. Quando uma das pessoas se coloca como não adepta a ter filhos deve ser tão respeitada quanto a que quer. Mas de modo geral o que surge é uma inconformação acompanhada de argumentação excessiva e contrariada.
Então fica o dilema de quem quer ter filhos: se vai deixar o relacionamento com quem não quer ou abandonar o sonho de ter filhos. O custo de empurrar com a barriga ou fingir que nada está acontecendo pode ser alto demais para o casal. Essa decisão deve ser encarada com a mesma seriedade que outras tantas no percurso da relação.
Caso sejam desejos inconciliáveis, o mais honesto é que cada um siga o seu caminho na direção do seu sonho legítimo. O que contará para a definição dos rumos dessa relação é a maturidade (ou a falta dela) diante de uma decisão tão delicada quanto essa. Não é fácil, mas é a maneira mais justa com os dois lados, pois o amor não supera tudo.