• Fragmentos da última vez em que fomos felizes
  • Fragmentos da última vez em que fomos felizes


    para ler ouvindo: “Lust For Life”, Iggy Pop.

    A última vez que eu olhei pra hora deveria ser o quê, mais de três e meia. Desde então tenho procurado evitar olhar de novo. A anfetamina no cérebro já avisou para desencanar do sono por hoje. Esse é um problema da anfetamina. O outro é que ela mexe com uns fusíveis no cérebro e ativa algumas lembranças que não viriam em estado, digamos, “normal”. Aí você escolhe o que fazer com elas. O usual é ficar remoendo-as até de manhã. Eu resolvi transformá-las em literatura. Barata.

    Sabe do que eu lembro? De Ubatuba, da segunda vez. Você linda, de azul, cabeça entregue nos meus ombros. Feliz de estar ali. Em paz. Aí os fusíveis se eletrificam e lembro que, ei, esses olhinhos já olharam felizes quando me viram. Parece até mentira, a essa altura do jogo da vida. Por alguma razão, o destino quis que durante essa existência, em algum (ns) momento (s), na rua, na praia, na casa de alguém, teus olhos encontraram outro dia os meus e ficaram cheios de lágrimas de pura alegria. Por um instante, os-meus-teus-nossos-olhos de ver-bonito não seguraram as lágrimas, e quase não conseguimos falar,

    Sabe do que eu sinto vontade? De pouca coisa. Quando te vejo, já não sinto mais aquela vontade tão 2011 de te falar algo inteligente, surpreendente, que te fizesse a cabeça. Hoje, quando te vejo, uma poesia em amarelo, quero te dizer coisas bem mais simples. Do tipo: “o que você quer jantar hoje?”. “Vamos ver um filme?”. “Que tal a gente (eu) tomar um vinho naquela sacada e esquecer do mundo?”. Ou “pode ser pizza”. Como se existisse uma ponte que pulasse todos os erros e desencontros e ligasse o imaginário com o real. Que fizesse a conexão entre “a última vez que fomos felizes” com o “aqui, agora”. Quando foi a última vez que fomos felizes mesmo? Foi em Ubatuba, da segunda vez.

    Hoje você escolheu um caminho que eu não esperava. Esperava mais. Por quê? Porque pra mim você sempre foi mais. Temi imaginando você se apaixonando por um cara que eu admirasse. Você não fez isso. E até que doeu menos. Eu segui um caminho que você não esperava. Me tornei aquilo que você não acreditava que eu fosse capaz. Meu coração vive tranquilo. Teve um lapso ou outro. Todos com você. Essa batida tranquila me deixa longe dos problemas, mas meio que funciona no automático, sem sobressaltos. Eu gosto de sobressaltos. Nunca mais ele ficou acelerado. Que era do jeito que você gostava. De vez em quando ele até bate um pouco mais rápido. Mas a culpa é da anfetamina.


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