Querida filha,
Assim como seu irmão, chegou a vez de você receber sua carta. Carta, essa, escrita muito antes de eu sequer te chamar assim, de Lia, três letrinhas doces e sutis, pela primeira vez. Tudo que eu sei sobre você, até agora, é seu nome – e que você será corintiana, se tudo der certo. Escrevo essas linhas porque sou imensamente ansioso (e você já deve saber disso a essa altura) e não consigo deixar certas ideias dentro de mim. Vez ou outra é quase que uma necessidade física colocar tudo isso para fora – o que é a mesma lógica de um porre, algo que você já deve ter descoberto também.
Fazer isso é complicado, sabe? Porque, num piscar de olhos, consigo enxergar tudo que você já viveu, anos antes de você nascer. Sua primeira palavra, seus primeiros passos, seu primeiro dia de aula, as risadas e lágrimas que compartilharemos juntos. Seus amores e desamores. E posso te garantir que assim, ansioso desse jeito (e repetitivo, como não poderia deixar de ser), tentarei participar de cada um desses momentos da melhor forma possível.
Não estou aqui para te aconselhar. Suspeito que sua personalidade será forte, que isso irá se externar em olhares decididos, palavras cheias de confiança e o mesmo “gente, eu sei” que eu vociferei incontáveis vezes para meus pais. Ainda assim – e assim como você – eu era, sou e continuarei sendo teimoso (e ansioso, e repetitivo); muitas vezes eu dizia saber sem ter a mínima ideia de onde ia me meter. Antevendo que você há de fazer o mesmo, também escrevo para, quem sabe, me fazer um pouco mais útil na sua jornada por essas terras.
Espero que no seu tempo as coisas já tenham mudado. Porque do lado de cá, dias antes do seu pai começar a escrever essa carta no computador (será que computador ainda existe do jeito que conheço hoje?), teu pai teve que ouvir gente falando bobagens porque decidiu sair na rua com um fone de ouvido rosa. Não é piada, minha pequena: as pessoas costumavam implicar com cores. Na minha época, rosa era pra menina e azul para menino – assim como boneca e carrinhos, respectivamente. Pois saiba que, no que depender de mim, você poderá brincar com Barbies, Suzis ou jogar algumas partidas de FIFA comigo. O que importa é o que você quer.
Isso deve ser seu lema, aliás, muito além dos seus brinquedos de infância ou da sua cor favorita. Assim como é você quem sabe o que te faz bem e mal, espero que, quando você crescer, as pessoas ao seu redor já tenham evoluído para que diversas outras decisões da sua vida não sejam colocadas em xeque – como a carreira que você quer seguir, como você se identifica, as pessoas que você gosta e, basicamente, aquilo que faz de você quem você é. Seu corpo pertence a você e nunca caberá a outra pessoa dizer o que você pode ou não fazer com ele.
É difícil, para mim, entender como pais não conseguem aceitar seus filhos pelas escolhas que eles fazem. Fico ainda mais confuso, se me permite a confissão, quando o argumento usado por essas pessoas é que tudo se justifica “por amor”. Amor me parece o contrário disso: é gostar de alguém exatamente do jeito que aquela pessoa é. Mas amor não se explica, se vive, e espero que você possa viver, amar, rir e descobrir cada aspecto incrível dos muitos anos que te esperam.
No mais, não tenho muito a dizer. Torço para que você vista a camisa do Corinthians, como grande parte da família, e que me acompanhe a muitos jogos no estádio. Que possamos nos divertir, sofrer e sorrir juntos. Que mais que um pai, você me enxergue como um amigo, um companheiro… E que você possa me perdoar quando eu errar.
Se você me leu até aqui, querida, é sinal que eu fiz alguma coisa de certo, mas não irei abusar da sua boa vontade: muito obrigado por tudo que já vivemos (mesmo que nada tenha acontecido ainda).
Com todo o amor do mundo,
Seu pai