Psst. Your friend invited you to Secret.
A primeira vez que recebi essa mensagem – fui resgatar agora na minha caixa de e-mails – foi em 29 de maio deste ano. Não sabia que merda era essa – até achei que fosse vírus. Mas quis saber. Cliquei no “Learn more” e descobri o que, a princípio, me pareceu um passatempo divertido: ler frases anônimas e tentar descobrir quem, entre as minhas conexões de Facebook e possíveis usuários do aplicativo, seria o autor delas – algo como “finjo que sou lady, mas tomo água da torneira na balada” ou “economizo no almoço da semana pra gastar o dinheiro do VR e a dignidade em cerveja” me denunciaria fácil.
Ingenuidade mandou um grande abraço. Pouco menos de três meses depois, ouso dizer que o Secret é o aplicativo mais polêmico que já existiu. Mais polêmico do que Lulu , Tubby e mamilos juntos. Porque, em vez de ser um simples espaço de compartilhamento de ideias ou até de apoio a pessoas que compartilham um problema, virou um grande muro de estupidez e hostilidade. Baseados na máxima exibicionista “de que adianta a conquista se ninguém souber dela?”, tem babaca que acaba de transar e posta foto da menina nua, dormindo na cama. Como se aquele corpo com o qual se fez um acordo mútuo de prazer fosse um mero objeto. O machista comeu, agora precisa arrotar bem alto pra todo mundo ouvir. Tem babaca que se diverte jogando a intimidade alheia no ventilador e escrevendo o nome da vítima – eu sou garanhão porque transo com duas a cada final de semana, mas a Fulana de Souza é uma vadia porque já transou comigo no banheiro da balada. E tem babaca que aproveita o anonimato para lançar discursos de ódio – eu levanto ferro todo dia para ser delicioso, por isso acho que gordo tem mais é que sofrer preconceito pra tomar vergonha na cara.
Por causa da inconsequência – lê-se escrotice – de alguns usuários aqui no Brasil, o Secret é alvo de uma ação civil pública que já rendeu pelo menos uma alteração significativa no funcionamento do app – a partir desta semana, fica proibido, nas postagens, o uso de nomes próprios e de fotos previamente armazenadas nos celulares. Talvez essa seja uma boa medida para conter o cyberbulling e preservar a privacidade do ser humano no ambiente virtual. Mas definitivamente, não é o suficiente. O buraco é bem mais embaixo e bem mais escuro. As vítimas do Secret – na sua maioria, as minorias – já eram vítimas em novelas passadas. E os vilões, protegidos pelo escudo do anonimato, esbanjam coragem para falar o que lhes vier à cabeça, sem sequer considerar que, mesmo sem citar nomes ou publicar fotos reveladoras, opiniões e piadinhas agressivas podem ser devastadoras.
Ninguém precisa, por exemplo, insultar a menina gorda do colégio para que ela se sinta mal e alimente um processo de rejeição a si mesma – basta que ela assista a quinze minutos de televisão ou folheie uma revista feminina para entender que ela não se encaixa no padrão de beleza disseminado pela indústria da moda e do entretenimento. Assim como, em uma piadinha ~engraçadíssima~ que diz que quando um negro não caga na entrada ele caga na saída, ninguém precisa citar o nome de um negro para ofendê-lo. E em uma postagem que insinua que mulher só serve pra fazer boquete e lavar a louça, não é necessário taggear uma mulher para ofendê-la. Nós nos sentimos (devidamente) agredidos por identificação. Citar o nome de um gay num post e hostilizá-lo em uma rede social é uma atitude que não ofende apenas o gay em questão, mas, sem dúvidas, todo o grupo que se identifica com a causa homossexual.
Independente da ação judicial e das providências que se tomem, acredito que o cyberbulling, infelizmente, continuará a acontecer. Porque ele é fruto de linhas de pensamento racistas, classistas, machistas, homofóbicas e gordofóbicas que vêm sendo disseminadas em larga escala ao longo da história da humanidade. Porque se o Zorra Total não nos faz mais rir, zoar o coleguinha pode render comentários divertidos e boas risadas. E acima de tudo, porque por trás de uma tela e, principalmente, do escudo do anonimato, todo mundo é perfeito, bonito, cheiroso, bem dotado e corajoso para botar a boca no trombone – doa a quem doer.
Pois é. Que me perdoem os antissaudosistas, mas hoje eu sinto saudades da época em que Secret era apenas mais um sucesso da Madonna…