• A tirania da felicidade digital ainda  vai acabar com a nossa sanidade
  • A tirania da felicidade digital ainda


    vai acabar com a nossa sanidade


    Dá licença, posso falar pra todo mundo que minha vida tá uma merda? Cadê o contrato que eu assinei com a obrigação de ser feliz em todos os momentos? Que delírio é esse de que somos invencíveis, que podemos enfrentar tudo com um sorriso na cara regados por uma autoestima de miss universo?

    Eu não quero me transformar num robô 24 x 7 alegre de doer. EU SOU NORMAL!

    Quem foi que transformou o mundo num grande treinamento de motivação para todos serem felizes? Eu sou mortal e eu não sei direito o que vai me acontecer, então eu posso sentir aflição da vida. Desde quando não ser feliz o tempo todo passou a ser considerado um crime hediondo?

    Desculpa, mas hoje eu não vou fazer selfie no elevador sorrindo. Eu não quero desejar um ótimo dia a todos da minha timeline porque acabei de levar um pé na bunda e estou com o coração partido.

    Eu não quero me explicar a ninguém, respeite o meu silêncio. Para com essa coisa incômoda de perguntar por que eu tô com essa cara.

    Eu sei que é sexta e sei que tá calor, mas não quero sair pra pegar mulher. Tira daqui essa pulseira fluorescente que dá direito ao open bar na apresentação do David Gueta. O hit que vai me embalar é o escuro do meu quarto.

    Eu não tenho tempo livre. Trabalho, estudo, limpo a casa quando a faxineira falta, tenho que cozinhar o que vou comer quando chego em casa onze da noite. Não tem glamour na vida dos assalariados.

    Eu to fora do peso e não tenho tempo de ir à academia. O espelho me castiga.

    Me deixa ser gay sem ter que me filiar ao partido do Jean Wyllys. Respeite minha opção sexual, eu quero ser apenas eu sem ter que levantar bandeiras e me engajar em instituições.

    Eu não quero ter filhos, pare de me cobrar como vai ser no futuro. Isso não é problema seu.

    Eu não tenho que viver em busca do prazer. Eu posso dar errado de vez em quando.

    Para de me convidar para ir à praia no fim de semana. Eu não quero melhorar em 48 horas.

    Eu não instalei um chip de bloqueio à tristeza. Eu não paguei um seguro contra fracassos de qualquer ordem. Eu não estou livre do recalque. Não estou protegido do meu ego.

    A vitrine da felicidade digital vai acabar com a nossa sanidade.

    Quem consegue apagar trauma de infância com viagem para a Europa? Quem esquece um histórico de abandono porque tem uma conta corrente cheia e dois carros importados na garagem de uma mansão?

    Keep calm, Namaste, be happy, #partiupoolparty. Vamos parar com isso, por favor?

    O êxtase é raro e não contínuo. Não dá pra ser feliz no trânsito das 8h40 na Heitor Penteado. Permita-se. Aceite. É impossível não se frustrar.

    Você é uma coisa, o que você acha que tem que ser é outra. Não se massacre, você é normal: sofre, chora, fracassa. Tá tudo no pacote da humanidade. Ninguém inventou a melancolia, ela sempre esteve dentro da gente.

    Não é possível criar uma defesa psíquica contra o sofrimento. Não somos feitos só de glórias.

    A sua festa de casamento foi linda, mas sua relação é uma bosta? Basta postar uma foto daquela noite simbólica no Instagram que tá tudo bem. Isso te contenta?

    Faça essa pergunta de frente para o espelho quando tiver sozinho e vá além da reflexão 2.0 com likes e compartilhamentos.

    Não existe um suco detox para o tédio. Pare de viver em função do que os outros precisam pensar que está acontecendo com você.

    ass-denise


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