• Me convida pra ficar
  • Me convida pra ficar


    Foi quando meus dedos embaraçaram nos botões da tua blusa que eu percebi o quanto tinha pressa. Por uma fração de segundo vislumbrei o pânico, mas o teu tronco seminu abafou qualquer suspiro de razão. Movi as mãos novamente, tateando com violência as brechas da tua renda. Em quanto espaço por minuto você teria percebido a velocidade do meu desejo? Desabotoei mais um. Essa brincadeira de te desvendar já vem construindo um vício diário. Tijolo por tijolo, botão por botão. Arquitetado no silêncio incômodo que persegue a tua presença e nos sons deixados pela tua falta – eu posso vê-lo sempre maior. Cresce rápido, como o ritmo da dança insana que meus lábios aprenderam a coreografar pelo teu corpo pequeno. Dia desses, num passo descuidado, o aroma cítrico que se desprende do teu cabelo me pediu pra ficar. Esperei o convite se materializar nos teus lábios, mas ele nunca aconteceu.

    Me convida pra ficar, menina, e então eu te prometo que perco a pressa. Vou jogá-la na poltrona da sala junto com o meu paletó, já esperando você resmungar em tom ranzinza que o certo é pendurar detrás da porta. Também não vou te interromper quando começar pela milésima vez a explicar que é preciso tirar os sapatos antes de andar pelo tapete, achando graça de que você não perceba que a minha resistência em entender algo tão simples é pura pirraça para te ver irritada. Se eu ficar, espero você terminar os sermões. Me convida e, e então eu te prometo paciência para todas as tuas regras, ainda que acompanhada por riso solto. Quando eu reduzir a velocidade, talvez consiga não quebrar nenhuma delas. Quem sabe então a gente possa esquecer que a vida tantas vezes já nos partiu em cacos, e possamos, enfim, ser por inteiro.

    Me convida pra ficar, menina, e então eu te prometo que faço chá de canela. Já conheço exatamente o teu ponto: decorei todas as medidas de açúcar, fervor e mau humor. Te trago na cama acompanhado por biscoitos de goma, naquela bandeja de cores fluorescentes. Até deixo você escolher o filme – não sem alguma crítica irônica, para não levantar suspeitas. Quem sabe então, no fim, eu te conte que só faço isso pra poder passear livre com os olhos por cada traço do teu rosto, enquanto você acompanha vidrada as cenas da TV. Eu coleciono secretamente um catálogo das tuas expressões, e ando sufocado com a sensação de que poderia passar o tempo de uma vida folheando-o. Me convida, menina, e então eu abandono esse jogo de segredos, jogo fora o tabuleiro, jogo meu corpo em cima do teu, e a única brincadeira que fará sentido é a dos meus dedos com os teus botões. Com calma, dessa vez.

    Eu estou aqui, aguardando. Ainda não ousei fazer as malas, mas já escolhi mentalmente os paletós que posso precisar. Também separei as rimas que vou usar para as inspirações que tenho guardado a cada vez que percebo como você é linda mesmo suja de farelos de goma. Me convida pra ficar, e então te componho canções. Prometo descansar o violão antes das dez, e depois, te descansar em meu peito. Então, desce logo as escadas com aquele teu passo rastejado e olhar de desconfiança – eu tenho o abraço certo pra quebrar esse gelo. Espera por mim lá embaixo, e eu prometo não demorar. Chegarei rápido, mas a pressa não vai cruzar os portões. O tom vai ser manso quando eu te perguntar que filme escolheu dessa vez, enquanto subirmos as escadas. No último degrau, vou tirar os sapatos para não correr o risco de sujar o teu tapete. E os medos?

    Quando você me convidar pra ficar, menina, vou deixar todos eles pendurados detrás da porta. Prometo.

    samia


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