Lembro-me com precisão da primeira vez que senti ciúmes. O nome dela era Graziela e nós estudamos juntos da primeira série do ensino primário até o terceiro colegial, com um pequeno desvio de rota: entre a terceira e a quinta série, meu pai surtou com São Paulo e nós mudamos de cidade. Dois verões depois o velho sacou que a cidade que não dormia estava deixando saudades demais, e voltamos.
Para mim, nada havia mudado: o colégio era o mesmo, alguns amigos continuavam por lá e, mais importante do que tudo isso, a Grazi foi uma das primeiras pessoas que me recebeu no tal retorno às raízes. Demorei alguns dias para perceber, porém, que ela tinha um novo melhor amigo – cujo nome eu, honestamente, não me lembro. Sei, porém, que seus olhos eram verdes e ele era muito mais bonito que eu.
Não gostava dele. Não gostava do seu jeito confiante, do cabelo arrepiado e dos tênis que ele usava. Gostava menos ainda de como a Grazi olhava para ele. Ainda não sabia explicar, mas não queria que ela ficasse perto dele. Queria que ficasse perto de mim.
O tempo passou e tudo à minha volta me mostrava que esse tal sentimento não tinha nada de ruim: quando você ama alguém, não quer que a pessoa fique longe de você. O amor, afinal de contas, é o sentimento mais bonito que existe – e tudo em nome do amor é igualmente belo. Foi assim que eu moldei, durante anos, minha visão de amor. Um amor inseguro, ciumento, possessivo. Que não admite outras pessoas por perto, que vê tudo como uma ameaça em potencial. Que traça linhas imaginárias e esquizofrênicas de acontecimentos shakespearianos.
Tenho certeza que você já sentiu algo parecido em algum momento da sua vida – talvez em uma intensidade até maior que a minha. É por isso que, sem rodeios nem promessas baratas, é preciso encher o peito e dizer: essa porra precisa acabar.
Crescemos aprendendo que nossa vida só será feliz ao encontrarmos “nossa metade”. Vivemos sentindo que somos 50% e que a única forma de preencher o vazio do nosso peito é com outra pessoa. Ao encontrá-la, porém, as regras do jogo mudam: a felicidade, já conquistada, fica em segundo plano. O novo objetivo, agora, é impedir que essa pessoa vá embora.
Quantos amores escoarão pelo ralo por essa distorção do significado de amor?
A pessoa que você ama pode ir embora amanhã – ou pode ficar para sempre. Tentar impedir que isso aconteça com ciúmes é, na verdade, mostrar que ela não tem muito a ganhar do seu lado – e eu não estou me referindo ao simples clichê do “é preciso confiar no próprio taco”. Ciúme é posse. É olhar para o passado do outro e não gostar, ao invés de enxergar que todas as experiências vividas por aquele alguém acabaram fazendo o caminho de vocês dois se cruzar.
O ciúme não é um botão que pode ser desligado – mas também não é algo que “existe e pronto, não vai mudar nunca”. É preciso reconhecer o mal que faz – para relações e para si próprio – e lutar para controlá-lo. O problema não é sentir ciúmes, e sim o que você faz e como reage quando esse sentimento surge dentro de você.
Que nós possamos, a cada dia, reconhecer que amor é muito mais do que o tempo de um namoro, o passado de alguém ou a certeza que vocês ficarão juntos para sempre. Amar é muito mais simples que isso: é aceitar que, se existe alguém do seu lado, é porque existe vontade. É matemática simples: um mais um fazem dois. E o ciúme não tem lugar nessa equação.