Era verão, era calor, respingos daquilo que poderia ser suor ou amor despencavam dos fios de cabelo de Rafael e Beatriz como se fossem pétalas de um orvalho enternecido que acabara de descobrir a entrega. Despiram-se as blusas, os sapatos, os pudores, deixaram no assoalho contraditoriamente frio, toda e qualquer preocupação com críticas, julgamentos, ou estereótipos sociais que poderiam preencher de rigidez este momento. Admiraram-se nus com a clareza de quem delicadamente toca a alma da gente com zelo e cuidado, e viram-se mais do que dois bons amigos, namorados, “ficantes” ou conhecidos. Reconheceram-se por dentro de imediato, e toda a imensidão daqueles beijos, abraços e carícias, como num rompante, fizeram todo o sentido.
Entre quatro paredes qualquer um sem um pingo de habilidades consegue rasgar o vestido, desfiar a meia, desapertar os cintos, soltar os cabelos, tirar a sua roupa. Não é necessário um curso superior para se aprender a desabotoar um par de botões. Agora, invadir a sua travessia, conhecer seus milagres, seus pecados, seus defeitos e cicatrizes, somente quem realmente se importa, se dedica, se interessa, consegue fazer. Fácil é oferecer uma carona, pagar uma cerveja, pedir o telefone (e só utilizar o número depois das 3 da manhã quando ninguém mais resolveu atender), contar meia dúzia de mentiras só pra não terminar a noite sozinho (a). O difícil é demonstrar interesse pelo curso dela, o trabalho dele, o porquê daquele coração tão carregado de mágoas, ou em que parte do caminho perdeu-se o rubor tão iminente das bochechas sobressaltadas. Prático é querer começar pela sobremesa sem saborear a fundo o prato principal, deixando o paladar despreparado para a explosão de sabores que viria adiante. A nudez transcende sozinha, por livre arbítrio, o corpo de quem exala vontade. Não precisa ser exposta, conquistada, muito menos ser vista como o objeto principal dentro de uma narrativa recente.
Por isso escolha alguém capaz de te despir os sentidos mais do que suas fantasias. Que te olha primeiro nos olhos, se preocupa em trocar calor entrelaçando os dedos, que sorri ao som do seu sorriso. Alguém que te olha visando o que existe por trás daquilo que a genética te presentou e te vê de verdade por dentro. Um ser humano genuinamente em busca de encontros, não exclusivamente de roupas de baixo. E isso não é absolutamente nenhuma represália ao sexo sem compromisso, ao exercício da liberdade, tão pouco tem a ver com relações estereotipadas. Cada um segue em paz o caminho que mais te faz feliz. Mas poucas coisas na vida são tão reconfortantes quanto se encontrar dentro da reciprocidade de alguém que está realmente interessado na sua história, na sua simpatia, no seu caráter, e não na cor da sua calcinha ou na marca da sua cueca. Eu tô falando de gente que se interessa por gente e não por um par de pernas torneadas que será exibido como um troféu. Eu tô falando do cara sarado da academia que está cada dia mais apaixonado pela menina não tão em forma, da modelo da escola que se interessou pelo nerd da biblioteca, ou até mesmo daquela garota comum que está saindo com aquele cara também comum e ambos estão preocupados em conhecer todas as versões daquele ser humano a sua frente, ao invés de ocuparem a cabeça excepcionalmente com mil e uma estratégias para levar um ou outro para a cama.
O amor excede o óbvio. As pessoas que se permitem tocar do lado de dentro já se encontram despidas de máscaras, de convenções, ou de pré-conceitos. O momento de tirar o casaco não é mais uma novidade, mas sim uma consequência, e a excitação que fica evidente é a mesma de dois grandes amigos que aceitam conhecer juntos uma nova brincadeira. Reconhecem-se instantaneamente na liberdade do outro em ficar livre de meros pedaços de pano exibindo o único contato de pele que falta para ser decifrado, e é isso que deixa tudo tão gostoso. Porque é de graça, é de bom grado, é um presente, é um momento oferecido e não invadido. Por isso eu digo, escolha alguém que te desnude a alma. Roupa até a mãe da gente consegue tirar. E é exatamente esse tipo de gente que vez ou outra te faz querer tirar o vestido de chita, a bermuda surrada, ou os sapatos apertados, e te convidam para dançar o amor a dois. Por um dia, uma semana, a vida inteira, ou até enquanto durar o carnaval.