O grande problema da carência moderna é que as pessoas se contentam com amores problemáticos. Sentimentos egoístas, pequenos e mesquinhos que ousam se fantasiar do mais genuíno amor.
Problema maior ainda é que muitos desses pseudoamores têm criado uma legião de pessoas que se anulam apenas para estarem com alguém: vão deixando o outro lhes podar, lhes tirar da companhia de seus melhores amigos, dos seus hábitos mais pessoais, das suas opiniões mais íntimas.
O cara que gostava de tomar uma cerveja religiosamente depois do trabalho e deixa de fazê-lo porque a namorada achou de implicar; a mocinha que adorava sair pra dançar – e ser admirada, porque não? – mas já não sai porque “isso não é coisa de mulher comprometida.”
Ele adorava tocar violão nas noites da vida, mas vida boêmia não combina com relacionamento sério. Ela tinha muitos amigos homens porque preferia, mas o namorado não gosta, então é melhor evitar, né?
Não, não é. Um sentimento que faz com que você deixe de ser quem você é – um milímetro que seja – não pode ser amor. O amor é o conforto, a beleza da livre expressão. É poder dizer que “a vizinha é gostosa, sim, mas eu prefiro você.” É continuar fazendo as mesmas coisas, do mesmo jeito – ou de um jeito diferente, mas que a decisão seja sempre sua – só que em boa companhia.
E se você não gosta da sinceridade demasiada do outro, há muitas pessoas menos sinceras por aí; se não te agrada a boemia dele, as roupas curtas dela, o cheiro do cigarro que fica no colarinho do seu novo amor fumante, é simples: apenas mude de rumo. Mude-se do outro em vez de querer que o outro mude.
Não faz o menor sentido querer moldar o outro às suas projeções em vez de simplesmente procurar algo que, de fato, lhe apeteça. E abandonar caso deixe de apetecer. É incompreensível pensar que o outro é uma folha em branco que pode se colorir de acordo com nossas expectativas, feito um bibelô pronto para nos agradar. O gostoso do amor é descobrir no outro o que nos faz bem – e não impor ao outro o bem que queremos.
O amor não pode ser aquilo que te rouba as energias, te tira a identidade, te expulsa do seu próprio mundo. O amor é o que te faz se tornar a melhor versão de você mesmo; é o que te aceita nas suas esquisitices, nas suas manias mais irritantes, nos seus hábitos mais incompatíveis com os hábitos do outro. O amor é o que te faz descobrir o melhor de você e o melhor do outro. O resto é a velha síndrome de sanguessuga.
